Introdução

10 1 0
                                    

O som abafado da chuva contra a janela era o único ruído que preenchia o quarto de Katsuki. Ele estava sentado na borda da cama, olhando para o teto como se tentasse enxergar algo além das paredes brancas e estreitas do pequeno apartamento. Estava cansado, um cansaço que ia além do físico, um peso que esmagava seu peito a cada respiração. A exaustão mental e emocional se acumulava, crescendo como uma onda ameaçando submergir o loiro por completo. Três dias. Apenas três dias até seu aniversário. Mais um ciclo de vida que ele não queria enfrentar.

O telefone vibrava ao lado de sua mão, mas ele ignorava as mensagens e chamadas perdidas. Era provável que sua família estivesse tentando entrar em contato, ou talvez algum colega de ginástica, preocupado com sua ausência. Mas a verdade é que ninguém sabia o que se passava dentro dele. Nem mesmo ele próprio.

A ginástica, algo que antes significava tudo para Katsuki, agora era apenas mais um fardo. Ele mal se lembrava da última vez que conseguiu se concentrar durante os treinos. Cada salto, cada movimento que antes o fazia se sentir livre e poderoso, agora pareciam forçados, mecânicos e erradiços. O brilho no olhar que ele tinha no início da carreira desaparecera. Nada mais parecia importar.

Aquela espiral de escuridão havia começado há algum tempo, mas o ponto de ruptura fora três dias antes de seu último aniversário. Quando aparentemente Izuku, seu namorado por um ano, terminou com ele. A imagem do rosto de Midoriya, com os olhos verdes cheios de lágrimas, se repetia incessantemente em sua mente.

- Eu não posso mais fazer isso... - O esverdeado havia dito, com a voz quebrada.

- Eu te amo, mas... minha
família... minha religião... Eles não vão aceitar. Eu tentei esconder isso de você, mas... eu não consigo mais viver nessa mentira.

Katsuki se lembrava de como aquilo o havia atingido como um soco no estômago. Um ano juntos. Um ano de promessas e planos para o futuro, tudo desmoronando por algo que ele nunca poderia controlar. Ele não entendia como o esverdeado pôde esconder isso por tanto tempo, e, quando finalmente soube, foi como se seu mundo tivesse sido arrancado debaixo de seus pés. Três dias antes de seu aniversário. Não havia pior momento para ser abandonado.

Desde então, seus aniversários só traziam a confirmação de que haveriam lembranças ruins. Cada vez mais dolorosos. Ele se lembrava de cada um deles como se estivessem gravados em sua mente. Quando era mais novo, sua mãe frequentemente brigava com o mesmo durante as festas. Depois, na adolescência, havia sempre uma sensação de solidão, mesmo quando as vezes estava cercado de pessoas. Mas nada havia doído tanto quanto lembrar daquilo.

E agora, com seu aniversário novamente se aproximando, ele se sentia no limite. Era como estar à beira de um precipício, olhando para o vazio. A relação com seus pais, sempre conturbada, piorara consideravelmente. Eles nunca entenderam sua orientação sexual e, muito menos, seus sentimentos. Sua mãe, Mitsuki, sempre fora dura com ele, e a distância emocional entre os dois só aumentava. Ele não tinha mais ninguém com quem contar.

Os remédios empilhados ao lado de sua cama eram o único motivo pelo qual ele ainda conseguia sair da cama de manhã, mesmo que fosse por pouco tempo. Os antidepressivos e ansiolíticos que seu médico havia prescrito o mantinham funcional, mas ele sabia que isso era temporário. Havia dias em que nem mesmo os remédios conseguiam acalmar a tempestade dentro de sua cabeça.

Ele olhou para a prateleira onde mantinha seus preciosos livros e suas medalhas. Elas pareciam tão distantes agora, como símbolos de uma vida que ele já não reconhecia mais. Antes, seu corpo era sua maior arma, o controle que tinha sobre ele, sua maior força. Agora, ele sentia que até isso estava escapando de suas mãos. O ginásio parecia cada vez mais um lugar de sofrimento do que de alívio.

Sua mente vagava, voltando àquele momento específico em que tudo começou a ruir. O término com Izuku não era apenas uma perda de amor. Era a perda da única pessoa que o conhecia de verdade. A única que o entendia. Izuku era a âncora que o mantinha firme. Sem ele, Katsuki se sentia à deriva, como se estivesse sendo arrastado por uma corrente que ele não conseguia lutar contra, mas, que por agora isso já não importava de nada mais.

Ele se deitou novamente de costas na cama, fitando o teto, mas as lembranças continuavam a persegui-lo. Sua mente voltou para um aniversário particularmente doloroso, quando ele tinha apenas treze anos. Sua mãe havia prometido uma festa, mas a briga com a mesma naquele dia foi tão intensa que eles acabaram cancelando tudo. Katsuki passou o dia sozinho, trancado em seu quarto, ouvindo os gritos ecoando pela casa. Desde então, ele nunca mais confiou em promessas. E o ciclo se repetia, ano após ano, como uma maldição que ele não conseguia quebrar.

Agora, três dias antes de seu aniversário, ele se perguntava se haveria algum motivo para continuar. Não havia ninguém para compartilhar suas dores sem que o mesmo sentisse a mesma reciprocidade, ninguém para ajudá-lo a enxergar uma saída. Ele pensava no quanto estava exausto de lutar contra a maré. Talvez fosse mais fácil se deixar levar. Talvez fosse mais fácil desaparecer.

Ele se levantou da cama com um suspiro pesado e caminhou até a janela. A chuva ainda caía, densa e fria. O mundo lá fora parecia tão indiferente quanto o que ele sentia por dentro. A solidão era esmagadora.

Pela primeira vez em muito tempo, Katsuki desejou poder voltar no tempo, a um momento antes de tudo desmoronar. Talvez, se tivesse feito algo diferente, se tivesse percebido os sinais da vida começando a cair mais cedo, as coisas não teriam chegado a esse ponto. Mas agora, essas reflexões eram inúteis. O passado estava fora de seu alcance, e o presente era apenas uma sucessão de dias que ele não sabia como enfrentar.

Ele pegou o frasco de remédios na mesa de cabeceira, olhando para as pílulas como se fossem a resposta para todos os seus problemas. Elas traziam algum alívio, mas nunca o suficiente. Ainda assim, ele tomou uma, esperando, talvez, que o anestesiasse por mais algumas horas. Só precisava sobreviver até o próximo dia, e o próximo, e o próximo. Até quando? Ele não sabia.

Enquanto a escuridão dentro de si se aprofundava, Katsuki se deu conta de que não estava mais lutando para viver. Ele estava apenas tentando encontrar um motivo para não desistir. E com seu aniversário se aproximando, mais uma vez, ele se perguntava quanto tempo mais conseguiria resistir antes de se render completamente ao vazio.

Inatingível Onde histórias criam vida. Descubra agora