Capítulo 2- Somente Ruth...

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  Calleb passou três dias trancado em casa, observando repetidamente o álbum de casamento deles. Ruth estava deslumbrante em cada foto. Seu sorriso, de orelha a orelha, iluminava tudo ao seu redor.

  Drinks rosados ​​nas mãos em uma foto, abraçados em outra, e mais uma, dançando juntos. As memórias o engoliram lentamente, alimentadas por uma angústia permanente de culpa. Aos poucos, o desespero começou a dominar tudo ao seu redor.

  Num ato de raiva misturado ao desespero, Calleb empurrou a mesa de centro com força. Os copos voaram para o chão, e um grito de dor genuíno ecoou pelos corredores do apartamento fétido onde ele agora vivia. Odiava a vida que era obrigada a levar. A morte de Ruth tinha sido demais para suportar.

  Ruth... Ele precisava salvá-la.

  Sem pensar duas vezes, Calleb correu até a casa da nova Ruth — como ele agora a chamava. Chegou em poucos minutos. A grande janela do quarto estava aberta, e lá estava ela, sua Ruth, sentada, lendo um exemplar de Baudelaire que pegara no dia em que se esbarraram.

  Ela era idêntica à sua esposa. Calleb não conseguia mais distinguir quem era quem. Tudo o que sabia era que não podia continuar sem um propósito.

  Uma van. Uma van. Uma van. Ele finalmente se lembrou de que estava sendo seguido a cada passo. Decidiu continuar correndo, fingindo estar em uma caminhada. Não poderia colocar essa Ruth em perigo. Poderia ser culpado por mais uma morte.

  A corrida o acalmou um pouco. De volta ao apartamento destruído, ele foi confrontado por um vizinho irritado:

  — O senhor mora aqui? Se sim, vou falar com o síndico. Não pode destruir tudo e fazer barulho como um louco!

  Calleb respondeu com uma porta batida na cara do homem. Não estava em condições de lidar com isso.

  Foi até a cozinha, pensou em comer algo, mas tudo estava tão bagunçado que desistiu.

  Antes que Calleb pudesse se sentar e voltar a analisar as fotos repetidamente, o celular começou a tocar insistentemente. O barulho o irritava mais do que o som dos irrigadores de jardim dos seus antigos vizinhos. Sua antiga vida com Ruth.

  Atendeu. Uma respiração pesada do outro lado

  — Quem é? Se não for para dizer nada, é melhor parar!

  A respiração pesada foi sua única resposta. Ele desligou. Talvez fosse apenas uma criança pregando trotes. Será que seu filho, se tivesse nascido, faria trotes por telefone com os seus amigos?

  Nunca saberia, porque ele mesmo jogou fora essa oportunidade.

  O desespero ainda não havia passado, mas foi abafado por uma nova preocupação: Ruth. Eles conseguiram encontrá-la. Seria a Ruth? Uma nova Ruth? Ele não sabia, mas é necessário mantê-la em segurança. A partir daquele momento, essa seria sua única missão.

  Sua existência seria por ela. Ele a adoraria de longe, cada pedaço dela seria sagrado, uma oportunidade de se redimir de tudo.

  Sua mente não estava mais sã. Agia como um louco. Mas, paradoxalmente, um louco com razão, buscando uma existência em alguém que não o conhecia. Ou o conhecia? Quem sabe. Talvez as duas fossem a mesma pessoa.

  A loucura o dominava, e Calleb não se importava. Era mais fácil viver à beira da insanidade do que enfrentar a dura realidade da sanidade. Deus teria lhe dado uma nova chance? Seu inconsciente e consciente se uniram, criando um Calleb insano, mas consciente de sua loucura.

  No dia seguinte, finalmente começaria seu "trabalho" de salvá-la. Onde ela fosse, ele a seguiria, sem ser notado. Descobriria tudo sobre essa nova Ruth, adoraria suas fotos como se fossem de uma Deusa.

  Revelaria todas as fotos, como fazia com Ruth nos dias em que foram casados. Afinal, para ele, aquela Ruth e esta eram a mesma.

  Lia, naquele dia, não saiu de casa. Passou a tarde lendo e escrevendo, e conseguiu digitar quase dez páginas após ter resolvido a briga com seu namorado. Isso era bom, mas ela nem imaginava o que estava prestes a acontecer. Não sabia que agora seria perseguida por um insano consciente de sua loucura, alguém que adoraria cada foto sua, cada fio de cabelo que o ligaria a uma sanidade possível.

  Dois dias depois, notou que seu lixo estava desaparecendo, mas não se importou. Pensou que talvez fossem catadores recicláveis. Mal sabia que era Calleb quem recolhia cada item que julgava importante. A perseguição havia começado, mas Lia ainda vivia seus dias sem saber o que se desenrolava ao seu redor.

Ruth, é você?Onde histórias criam vida. Descubra agora