Durante vários dias, Ruth só pensava no seu doutorado. Suas conversas com Ethan, seu namorado, também giravam em torno disso. Era artigo para cá, tese para lá, sempre envolta em papeis e ideias. Seus familiares não se importavam muito, mas seus amigos estavam à beira do esgotamento. Por isso, aquela tarde foi um alívio para todos que faziam parte da vida de Lia. Finalmente, ela havia entregue seu artigo para a reitoria da Universidade de Nova York, após tantas semanas de dedicação exaustiva.
Agora que o artigo estava em análise, Lia sentia como se pudesse respirar de novo. Talvez, com a entrega, pudesse retomar sua rotina comum: sair aos sábados, namorar aos domingos, estudar durante a semana, e, em breve, procurar um emprego de verdade.
Mas por trás desse alívio, havia uma inquietação. Mesmo morando sozinha, com o apoio financeiro distante de seus pais, a vida em Nova York, seu sonho desde a adolescência, parecia não trazer mais o brilho de antes. Desde que começou o curso de literatura, a rotina parecia monótona. A universidade, os amigos, o sonho de estudar o que amava... tudo isso já não tinha o mesmo encanto. Papel e letras eram sua companhia fiel, seus confidentes. Mas agora, até eles pareciam silenciar suas emoções.
Naquela tarde, após imprimir duas cópias de seu currículo — uma para uma lanchonete e outra para um escritório como secretária —, Lia refletia sobre o vazio que sua vida começava a ter. Tudo parecia correto em teoria, mas, na prática, algo faltava. Talvez fosse Ethan. Ele não a entendia, não tinha paciência para suas divagações literárias e parecia cada vez mais distante emocionalmente.
Antes de tomar banho para esperar Ethan, lembrou-se de levar o lixo para fora. O senhor Peterson estava no jardim, como sempre, regando suas flores manualmente, embora houvesse irrigadores. Era um ritual que o ocupava por horas, mas ele parecia gostar.
— Boa tarde, senhor Peterson — cumprimentou Lia, já familiarizada com o ritual diário.
— Boa tarde, querida — ele respondeu, como sempre, sem falhar.
Lia olhava para aquele senhor com uma mistura de curiosidade e tristeza. Sabia que ele tinha um passado conturbado, histórias que os vizinhos murmuravam em segredo. Diziam que ele brigou num bar por descobrir que sua esposa o traía, e, dias depois, a placa de "Vende-se" apareceu no jardim. O jardim que antes era a coroa da casa agora parecia uma ironia do que Peterson perdera.
A noite chegou, e Ethan, pontual, tocou a campainha às sete e meia. A rotina começou. Assistiram a um filme, pediram pizza, conversaram sobre banalidades. Os beijos foram previsíveis, o sexo sem paixão. Era sempre a mesma roda de sentimentos, girando em círculos. Lia estava cansada. Muito cansada. Não do corpo, mas da alma. O relacionamento com Ethan havia se tornado algo automático, uma encenação, um script que ambos seguiam à risca, sem questionar.
Mais tarde, quando Ethan já estava dormindo ao seu lado, Lia se levantou da cama, enrolada no lençol. Sentou-se no chão, perto da janela, e olhou para a rua deserta. Sentia-se desconectada da própria vida, como se estivesse apenas observando tudo acontecer à distância. A cidade que sempre lhe pareceu tão viva agora parecia um palco vazio, silencioso. Ela, uma atriz cansada de seu próprio papel.
Então, seus olhos captaram um movimento. Um homem caminhava pela rua. Havia algo nele que a intrigava. Cabelos escuros, olhos verdes que brilhavam, mesmo na penumbra. Ele usava um boné. Um detalhe tão banal, mas que quase a fez rir. Boné àquela hora? Por quê? Lia o observou por mais tempo do que se deu conta. Algo naquele homem a atraía, mas ela não conseguia explicar o porquê.
Do lado de fora, Calleb tentava parecer casual, mas a ansiedade borbulhava por dentro. Ele pretendia fotografá-la da janela, como fazia nas outras madrugadas, mas Lia estava acordada. Ele teve que disfarçar, como se fosse apenas um transeunte sem rumo. Mas, na verdade, sua mente estava cheia de planos. Planos para salvá-la. Observá-la à distância, protegê-la. Como fizera antes... com Ruth. Tudo tinha que ser perfeito dessa vez.
Ele não percebeu Ethan, deitado na cama, nem o corpo de Lia coberto pelo lençol. Para Calleb, ela era pura e inalcançável. Uma chance divina de redenção. A Ruth do presente, a que ele precisava cuidar e amar. Na sua mente, o destino lhe dava uma nova oportunidade, e ele não podia desperdiçá-la.
Enquanto observava o jardim de Peterson, a placa "Vende-se" lhe chamou a atenção. Talvez comprar aquela casa fosse a solução. Estaria ainda mais perto de Ruth, ou melhor, de Lia. Decidiria o que fazer no dia seguinte, mas já sabia que o destino lhe mostrava o caminho. O único caminho possível.
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Ruth, é você?
ActionCalleb jamais superou a perda de Ruth, sua esposa, levada de forma trágica. Consumido pela culpa e perseguido por sombras do passado, ele vive sob constante vigilância, com a promessa de vingança ainda ecoando em sua mente. Mas, em uma biblioteca de...