Ruth, é você?

Capítulo 7- Um passo em falso

Lia e Calleb, após duas semanas, começaram a se tornar mais próximos como vizinhos. Trocas de cumprimentos ao amanhecer e ao entardecer, além de pequenas conversas enquanto colocavam o lixo para fora, marcaram o início de uma estranha familiaridade.

Naquela tarde, Lia decidiu que prepararia algo especial para comer. Sentia-se motivada, pronta para enfrentar o desafio da cozinha, mas o fogão não ligava. Após algumas tentativas frustradas, concluiu que o gás havia acabado. Ligou para diversas distribuidoras, mas ninguém atendia.

Do outro lado da rua, Calleb a observava discretamente pela janela. Lia parecia preocupada, andando de um lado para o outro enquanto pressionava o telefone contra a orelha. Ele lutava contra o impulso de interferir, mas seus olhos não conseguiam se afastar dela.

Finalmente, sua voz cortou o ar:
— Precisa de algo, vizinha? — gritou da janela, tentando manter um tom casual. Por dentro, porém, sentia-se corroerído pela mistura de culpa e fascínio.

Lia ergueu o olhar, confusa com a direção da voz.
— Podemos conversar lá fora? Não consigo te escutar direito! — respondeu, sinalizando para que ele descesse.

Ao se encontrarem no jardim, Calleb a encarou, tentando mascarar o nervosismo.
— Me perdoe, não consegui te ouvir bem. Está tudo bem? Precisa de ajuda? Vi que parecia preocupada.

— Ah, sim. Meu gás acabou, e não tem nada que eu possa esquentar na geladeira. Acho que vou precisar comer em algum restaurante hoje.

Calleb hesitou. Cada fibra do seu ser gritava para não ceder à impulsividade. Mas antes que pudesse se conter, as palavras já haviam escapado de sua boca:
— Por que não almoça na minha casa?

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Ele mal acreditava no que havia acabado de dizer. Sua casa estava um caos: malas espalhadas pelo chão, dois revólveres debaixo da cama, uma mala repleta de dólares e euros no armário, e as fotos de Lia pregadas em um mural improvisado no escritório. Ele sabia que, para manter as aparências, precisaria evitar que ela sequer se aproximasse do quarto ou do escritório.

Lia sorriu, levemente surpresa com a oferta.
— Claro. Espero não estar incomodando.

Calleb assentiu, tentando parecer tranquilo, mas por dentro, sua mente já traçava planos para impedir qualquer passo em falso. Ela entraria, almoçaria, e sairia sem perceber a bagunça de sua vida — ou a verdadeira razão pela qual ele havia feito o convite.

Decidiu que fariam macarrão à bolonhesa, o único prato que sabia preparar bem. Ruth havia lhe ensinado, pacientemente, em uma tarde que parecia distante agora. A lembrança do sorriso dela enquanto ajustava o tempero fez seu peito apertar, mas ele sacudiu a cabeça, tentando se concentrar.

— Posso ajudar em algo? — Lia perguntou, enquanto observava a cozinha, mais organizada do que o restante da casa.

— Não precisa, já está tudo sob controle — Calleb respondeu, mexendo distraidamente o molho na panela. Por dentro, lutava para manter as mãos firmes.

— E o que você faz da vida, Calleb? — Lia continuou, encostando-se no balcão, a curiosidade evidente em seu tom.

Calleb hesitou por um segundo.
— Home office. Trabalho com banco de dados. Fiz ciência da computação. — A mentira saiu antes que ele pudesse pensar direito.

— Ah, entendi! — Lia sorriu. — Parece interessante. Eu ainda estou estudando. Faço literatura na NYU. Quando terminar, provavelmente voltarei para a minha cidade. Ainda não decidi exatamente o que quero fazer depois.

Enquanto ela falava, Calleb notou que seus olhos vagavam pela cozinha, curiosos, como se tentassem desvendar algo sobre ele. Ele precisava manter a conversa fluindo, distraí-la.
— Eu me formei na UM, em Michigan. — Dessa vez, ele foi mais cuidadoso. Não era exatamente uma mentira; o lugar era real, mas o curso que mencionara antes era uma invenção conveniente.