Capítulo 1: Mudanças de Verão

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  Verão de 2024, 14 de fevereiro.


  — Você já começou a arrumar as coisas, minha ursinha?

  A voz da minha mãe ressoa pela casa, quebrando o silêncio matinal como um despertador impiedoso. São 10h35m e ainda estou sentada na cama, olhando para o quarto abarrotado de caixas empilhadas em um canto, como recordações silenciosas do que costumava ser. Respiro fundo, tentando encontrar alguma motivação entre os vestígios do passado.

  — Estou quase lá, mãe. Só preciso decidir onde vou colocar tudo.

  Ela aparece na porta do meu quarto, os cabelos castanhos presos em um coque desalinhado e um sorriso que parece carregar todo o peso do mundo.

  — Nós vamos descobrir isso juntas. Lembra que esse foi o motivo da nossa mudança? Para encontrar novos horizontes, um passo de cada vez.

  Faço um movimento afirmativo com a cabeça, mas as palavras dela não conseguem dissipar o aperto no meu peito. Nossa relação sempre foi forte, mas, após o divórcio, algo mudou de forma irreversível. Mudamos de cidade, de casa, tentando fugir de memórias que ainda nos assombram. Mas, no fundo, sei que nenhuma nova cidade pode apagar completamente as lembranças de uma família que já não existe mais.

  — Por que Primavera, mãe? — pergunto, mais para quebrar o silêncio que me envolve do que por verdadeira curiosidade. — O que tem aqui que não poderíamos encontrar em outro lugar?

  Ela suspira, sentando-se ao meu lado na cama, como se estivesse prestes a me contar um segredo.

  — Precisávamos de um recomeço. Um lugar que nos permita ser quem realmente somos, sem as amarras do passado. Esse lugar é uma chance para recomeçarmos, Haru. Tanto você quanto eu.

  Há uma doçura nas palavras dela, mas também uma tristeza que não consigo ignorar. Sei que ela ainda está superando a dor da separação, assim como eu. Essa mudança é nossa tentativa de cicatrizar feridas que ainda estão longe de se fechar.

  Antes que eu consiga encontrar as palavras certas para responder, a campainha toca, como um alívio para minha mente inquieta.

  — Deve ser a Camilla — digo, sentindo meu coração acelerar. É a única desculpa possível para evitar essa conversa profunda.

  Minha mãe sorri, a esperança e o cansaço estampados no rosto.

  — Divirtam-se desempacotando tudo — ela diz, levantando-se e desenhando planos em voz alta mais para si mesma do que para mim. — Vou organizar a cozinha e preparar o almoço.

  Desço as escadas e abro a porta. Minha melhor amiga está ali, com aquele sorriso que ilumina o dia e torna tudo mais leve. Damos um abraço breve, mas apertado o suficiente para que eu sinta o cheiro doce da colônia dela, um aroma que faz meu coração bobo querer dançar.

  — Pronta para encarar o caos? — Cami pergunta, já adentrando o lugar e analisando as caixas com seu par de olhos esverdeados – tão redondos, lindos... Ai, para de ser estranho, cérebro! – curiosos para desvendar os “mistérios” escondidos na pilha de caixas.

  À medida que vamos desencaixotando as coisas, a bagunça parece se dissipar. Retiramos decorações, pequenos móveis, o amontoado de documentos da minha mãe e os materiais da minha nova escola. O contraste entre as lembranças antigas e as novas torna a casa um lugar diferente e familiar ao mesmo tempo. Mamãe desce só para nos ajudar com os móveis maiores que não conseguimos carregar, e a força dessa mulher é de outro nível.

  Com a determinação de Camilla e a força surpreendente da dona Lídia, terminamos de organizar tudo embaixo. Agora é a vez do meu quarto. Assim como o resto da casa, ele está repleto de memórias nostálgicas. É engraçado pensar que eu e minha mãe nos mudamos semana passada, mas sinto saudades do meu antigo quarto. Está tudo aqui, mas também ficou tudo lá: a primeira descoberta, o primeiro choro de confusão, a primeira certeza... Todas essas experiências ainda guardadas dentro de mim.

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⏰ Última atualização: Oct 19 ⏰

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