• thiago- Não, Thiago, a gente vai arrumar outro jeito. Não precisa ser assim - disse minha mãe, com a voz trêmula, enquanto mexia no avental sujo, os olhos já marejados.
Eu respirei fundo, sentindo o nó na garganta que eu tentava segurar há dias. Já tínhamos tentado tudo. Eu sabia que ela estava negando a realidade, mas não podia mais viver de esperança.
- Mãe, a gente já tentou de tudo. Eu fui atrás de trabalho, você também. Cortaram a luz semana passada, e agora querem despejar a gente. Se eu não fizer isso... a gente vai passar fome. - Minha voz saiu mais pesada do que eu esperava, o eco da última palavra quase um soco no peito.
Ela balançou a cabeça, como se pudesse afastar o que eu estava dizendo só negando, só não ouvindo. Mas eu continuei, precisava que ela entendesse.
- Eu sei que dói, mas a gente não tem mais opção. Não tem dinheiro pra pagar as contas, e não tem mais quem a gente possa pedir ajuda. Eu não quero te ver mendigando, e eu... - hesitei, tentando achar palavras que não fossem tão duras, mas elas não existiam. - Eu não vou ficar vendo você desmoronar por causa de orgulho. Eu vou entrar nessa vida, mãe, e vou trazer o dinheiro que a gente precisa.
Ela enxugou os olhos com as costas da mão, o rosto marcado pela mistura de dor e desespero.
- Thiago, isso vai te destruir. Vai destruir a gente. Eu prefiro perder a casa a te perder pra isso. Eu prefiro...
- Você não entende! - explodi, mais do que eu queria. - Não tem mais escolha! Você acha que eu quero isso? Acha que eu tô feliz com essa ideia? Mas se eu não fizer nada agora, a gente vai perder tudo. A casa, a dignidade, e a comida na mesa. Eu não vou deixar isso acontecer. Eu não vou, mãe.
Ela fechou os olhos, como se pudesse apagar a realidade com a escuridão. Eu esperei, o coração batendo acelerado, tentando não deixar o desespero tomar conta de mim também.
Eu observei minha mãe em silêncio, mas a cabeça fervia. Eu queria que ela entendesse, mas era difícil pra quem cresceu em outro tempo, outro mundo. Eu sei que ela lembra de quando a favela não era assim, de quando as pessoas tinham mais esperança. Só que agora, as coisas mudaram.
Na favela, é assim. Quem mora aqui sabe que a escola é quase um sonho distante. A maioria dos garotos da minha idade nem termina o ensino médio. Ou você entra pro crime, ou tenta arrumar um trabalho qualquer que te pague mal e te faça viver sempre no limite. Quem tenta seguir outro caminho, mais cedo ou mais tarde desiste, porque a realidade te puxa de volta. A vida aqui é diferente . As contas chegam todo mês, mas o dinheiro não. O trabalho honesto existe, mas não é o suficiente para pagar o aluguel ou encher a barriga. E aí, você olha pro lado e vê os moleques da minha idade, ou até mais novos, voltando de moto com um monte de dinheiro no bolso. Eu tô vendo isso todo dia.
O crime te seduz porque te dá o que o resto da vida aqui não dá: rapidez. Eu sei que é perigoso, eu sei que as coisas podem acabar mal, mas olha ao redor. A maioria das famílias da nossa comunidade tá assim. Vão se virando, fazendo o que podem, mas sempre com medo. Medo de não ter o que comer, medo de perder o que conquistaram com tanto suor. E tem gente que não aguenta mais viver no medo.
A gente já tentou fazer tudo certo. Eu fui atrás de emprego em tudo que é lugar, mas eles não dão chance pra gente. E mesmo se dessem, o que eu ia ganhar não pagaria nem a metade das contas. Os caras daqui, os que tão no crime, são os que têm dinheiro, são os que andam bem vestidos, os que não estão sendo despejados. Eles sabem que a nossa realidade não te dá escolha. Eu não queria isso pra mim. Mas o que eu faço agora?
Ninguém quer pensar no futuro quando o presente te afoga. Eu não quero ser mais um moleque que fica esperando uma mudança que não vai acontecer. A única forma de resolver as coisas agora é essa Eu não tô falando que vou fazer isso pra sempre, mas neste momento... não tem outro jeito.
Saí de casa, deixando minha mãe ainda no mesmo lugar, com o olhar perdido. O peso da conversa continuava em mim, mas eu precisava seguir em frente. Não era fácil, mas era o que tinha pra hoje.Andei rápido pela viela e logo vi o Daniel, encostado num muro, fumando. Quando me aproximei, ele levantou a cabeça.
- E aí, mané. O que tá pegando? - ele perguntou, soltando a fumaça devagar.
- Tô pensando em entrar pro corre, mano. Não tem outra saída pra mim.
Ele me olhou sério por uns segundos, depois balançou a cabeça.
- Cê tem certeza, Thiago? Uma vez que cê entra, já era. Não tem mais volta.
Eu olhei pro chão, pensando em tudo que tinha acabado de falar com a minha mãe. Não era uma escolha, era a única opção.
- Tenho certeza, Daniel. Já tentei de tudo, mas o que sobra pra nós é isso.
Ele não disse nada, só deu mais uma tragada e depois fez um sinal com a cabeça.
- Bora então. Vou te levar no chefe.
A caminhada até a casa do dono do morro foi curta, mas parecia que o ar tava mais pesado. Quando a gente chegou, ele já tava esperando. Era um cara grande, de presença forte, o tipo que faz todo mundo calar só de olhar. Eu disse a ele que queria entrar pro time, que precisava do dinheiro e tava disposto a fazer o que fosse necessário.
Ele me encarou por um tempo, me avaliando, e depois concordou. Falou que sabia como era a vida de quem mora aqui, que não tinha moleza, e que se eu tava disposto a entrar, tinha que estar ciente das consequências. Assinei o acordo com meu silêncio, aceitando as condições.
Quando saí de lá, o mundo parecia o mesmo, mas eu sabia que nada mais seria igual. O caminho de volta pra casa foi longo, mesmo sendo perto. Minha cabeça tava vazia, mas ao mesmo tempo cheia de perguntas. Eu sabia que não podia contar pra minha mãe, não ainda. Ela já tinha sofrido demais.
Cheguei em casa, entrei e fechei a porta devagar. A respiração tava pesada, como se o ar tivesse ficando mais difícil de puxar. Sentei no sofá, olhei em volta, e só consegui pensar uma coisa.
- É, agora não tem mais volta.
Mais um capítulo para vocês amanhã se der certo eu vou postar mais dois capítulos um já tá em andamento e o outro eu já tô com ele todo planejado na minha cabeça.O que vocês acharam do capítulo eu juro para vocês que eu passei a tarde inteira nele eu tentei muito colocar um pouco da realidade de quem mora nas favelas então demorou um pouco porque eu não sou boa nisso.
Então e isso até amanhã bjs 😙
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𝖤𝗇𝖼𝗎𝗋𝗋𝖺𝗅𝖺𝖽𝗈𝗌 𝗉𝖾𝗅𝗈 𝖽𝖾𝗌𝗍𝗂𝗇𝗈
RomanceSinopse: Guilherme, um jovem de 16 anos, que sempre sonhou em deixar sua cidade natal, no Acre, em busca de novas oportunidades. Determinado a seguir seus sonhos, ele economiza, faz planos No entanto, a vida tem seus próprios planos, e por questões...