Sem memórias do passado, sem fragmentos da própria vida para se agarrar. Tudo o que ele pensava recordar parecia uma ilusão, uma mentira mal disfarçada, como se cada lembrança fosse uma pintura grosseiramente sobreposta a outra, escondendo o verdadeiro quadro por baixo. Era como estar preso em um teatro ilusório, onde cada cena fora criada apenas para enganar, para esconder a verdade.
Giyuu caminhava pelos arredores, os sentidos atentos, aguardando o inevitável ataque do demônio ao lado de seu colega. Os dois, sempre alertas, observavam tanto as margens agitadas do oceano quanto o chão abaixo de seus pés, onde a areia fina oferecia uma ligeira resistência a cada passo. O céu começava a tingir-se de um tom acinzentado, como se pressentisse o confronto iminente.
Seu corpo parecia mais leve, mais ágil, a cada toque dos pés na areia molhada. Instintivamente, havia retirado os sapatos. O contato direto com o chão úmido, o mar beijando seus pés, parecia mais natural, mais certo do que usar qualquer tipo de proteção artificial. Era como se a água o aceitasse, como se reconhecesse em Giyuu um filho perdido que, finalmente, havia voltado ao seu seio.
— Vamos, seu idiota! Não estamos aqui para apreciar o mar! — a voz cortante de Sanemi o trouxe de volta, acompanhada de um golpe firme no ombro. O tom ríspido, quase furioso, ecoou por entre o som das ondas. Sanemi estava impaciente, como sempre, tentando afastar qualquer traço de distração do companheiro. Mas Giyuu não reagiu como esperado, permanecendo imerso em seu próprio mundo.
— Acho que ele está no mar — respondeu Giyuu, quase sem emoção, ignorando completamente o empurrão. Seus olhos fixaram-se na linha do horizonte, enquanto ele começava a caminhar lentamente em direção à água. Cada passo era deliberado, a areia fria e úmida moldando-se sob seus pés, e a brisa do oceano trazia consigo um alívio sutil. O toque das ondas que vinham e iam o arrepiava de uma forma que ele não conseguia explicar. Era um arrepio profundo, mas ao mesmo tempo agradável, como se o mar estivesse tentando conversar com ele, transmitir algo que ele ainda não conseguia entender.
Havia algo diferente naquela água, algo quase vivo. O mar parecia reagir à presença de Giyuu, suas ondas tornavam-se mais agitadas conforme ele se aproximava, como se reconhecessem nele algo perdido ou esquecido. Para Giyuu, o mar não era apenas um cenário ou um obstáculo; ele parecia parte de si, um eco distante de algo que ele havia esquecido — ou que lhe havia sido tirado.
Sanemi, agora parado atrás, observava com desconfiança, franzindo o cenho ao ver o comportamento estranho de Giyuu. O olhar penetrante de Sanemi refletia a impaciência de alguém que sempre lutou contra as distrações internas, que sempre esteve focado no objetivo final. Para ele, o mar era apenas uma arena onde o próximo inimigo poderia se esconder, nada mais.
Mas para Giyuu, aquele oceano parecia pulsar de vida, como se sussurrasse verdades que ele não estava pronto para ouvir. As ondas que chegavam a seus pés traziam mais do que água salgada; traziam memórias não ditas, sensações antigas e, talvez, alguma pista sobre o que ele havia perdido.
— Como pode ter tanta certeza? — Sanemi perguntou, sua voz carregada de desdém, claramente não levando a sério as palavras de Giyuu.
— Eu sei que está lá — Giyuu respondeu calmamente, a confiança em sua voz tão sólida quanto o oceano diante deles. Ele segurou sua espada, apontando-a para a areia úmida com precisão. Um silêncio tenso pairou por alguns segundos, até que o mar, como se respondendo ao comando de Giyuu, rugiu em uma onda poderosa. A água se agitou violentamente, cuspindo das profundezas um oni, que foi lançado com uma força impressionante para as margens, caindo exatamente em frente a Giyuu.
Sem hesitar, em um movimento tão rápido que quase pareceu natural, Giyuu ergueu sua lâmina e, com um golpe preciso, decapitou o oni. O sangue negro da criatura espirrou por um breve instante antes de ser tragado de volta pela areia.
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Taken From God - Giyuu Filho de Poseidon
FanfictionE se você acordasse um dia e descobrisse que tudo o que você viveu - suas dores, amores, memórias, amizades, perdas, sofrimentos - fosse uma mentira? Uma ilusão arquitetada por alguém muito maior, alguém que você sempre confiou cegamente: seu Deus...