Parte 1

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A chuva caía pesadamente naquela noite, criando pequenas correntes que deslizavam pelas ruas sujas da cidade. As luzes dos postes eram fracas, oscilando enquanto Faye mantinha as mãos firmes no volante do carro preto que estava estacionado discretamente em uma esquina. Seus olhos estavam fixos no prédio à frente, onde, atrás de cortinas pesadas e portas fechadas, acontecia uma reunião que poderia mudar tudo.

Ao seu lado, Yoko observava o cenário com a mesma calma fria de sempre. O cabelo dela, preso de forma prática, estava ligeiramente molhado pela chuva, mas isso não a incomodava. Havia um silêncio confortável entre elas, uma comunicação não-verbal que falava mais alto do que qualquer conversa.

"Acreditas que ele vai aparecer?" perguntou Faye, quebrando o silêncio. A voz dela era baixa, mas carregada de tensão. Elas estavam esperando há horas, observando, à espera de um movimento que ainda não tinha acontecido.

Yoko virou a cabeça lentamente para Faye, os olhos escuros brilhando à luz fraca do carro. "Ele vai aparecer. E quando aparecer, será o nosso momento."

Faye assentiu, mas não conseguiu se livrar da sensação de que algo estava prestes a correr mal. Elas tinham planejado tudo com precisão: a emboscada, as rotas de fuga, as armas cuidadosamente escondidas. Mas, no mundo da máfia, nada era garantido. E o homem que estavam caçando, Don Vittore, era conhecido por ser imprevisível.

De repente, uma sombra movimentou-se ao longo da entrada do prédio. As duas ficaram em silêncio absoluto, os músculos tensos. Era ele. Don Vittore saiu, cercado por dois capangas armados, a sua presença dominante e imponente como sempre. Ele ria de algo, mas Faye não conseguiu ouvir as palavras. Ela sabia que era agora ou nunca.

"Está na hora," sussurrou Yoko, enquanto estendia a mão para debaixo do assento, onde a arma prateada estava escondida.

Faye respirou fundo, preparando-se mentalmente. A sua mão também foi em direção à arma, mas antes de abrir a porta, ela olhou para Yoko, os olhos fixos nos dela. Havia algo que precisava ser dito, algo que ela tinha evitado por muito tempo.

"Se isto der errado, eu só quero que saibas que—"

Yoko a interrompeu com um olhar severo. "Não vai dar errado."

Faye hesitou por um momento, sentindo o peso da responsabilidade e algo mais profundo, mais pessoal, que a consumia há meses. Desde o primeiro trabalho juntas, desde que tinham começado a construir essa aliança perigosa, ela sabia que algo mais crescia entre elas. Algo que não tinha nome, mas que se manifestava na confiança silenciosa, na maneira como os olhares delas se encontravam sem precisar de palavras.

Faye engoliu seco, decidindo não continuar a frase. Não havia espaço para sentimentos naquele momento. Só para ação.

As duas saíram do carro em silêncio, movendo-se como sombras ao longo da calçada molhada. Yoko assumiu a liderança, como sempre fazia, enquanto Faye a seguia de perto. Elas contornaram o prédio, sabendo que a segurança de Don Vittore seria apertada, mas tinham estudado todas as saídas, todas as possíveis falhas na vigilância.

Quando finalmente chegaram ao beco estreito atrás do edifício, ouviram os passos pesados dos capangas. Eles não estavam longe. Faye posicionou-se, o coração acelerado, enquanto Yoko mantinha-se em total controle, os olhos focados no ponto de interseção.

Foi quando tudo começou a desmoronar.

Um tiro ecoou pelo beco antes que qualquer uma delas pudesse reagir. Faye viu Yoko vacilar por um segundo, levando a mão ao lado do corpo, onde o sangue começava a manchar o casaco de couro preto. "Yoko!" O grito de Faye escapou antes que pudesse se controlar, e ela imediatamente atirou no primeiro capanga que viu. O corpo caiu no chão com um baque surdo.

Yoko, porém, não caiu. Ela manteve-se de pé, apertando o ferimento com uma das mãos enquanto, com a outra, disparava contra o segundo guarda com uma precisão letal.

Faye correu até ela, o coração batendo tão rápido que mal conseguia pensar. "Estás bem?" perguntou, a voz carregada de preocupação.

Yoko olhou para ela, o rosto pálido, mas determinado. "Isso é só um arranhão."

Mas Faye sabia que era mais do que isso. O sangue escorria entre os dedos de Yoko, e a respiração dela estava ficando mais difícil. Havia uma fração de segundo em que Faye pensou em abandonar tudo – o plano, a missão, a máfia – e simplesmente tirar Yoko dali, mas então a porta dos fundos do prédio se abriu. Don Vittore surgiu, surpreso ao ver os seus guardas caídos.

Sem pensar, Faye levantou a arma e disparou.

O som dos tiros encheu o beco, e Don Vittore caiu para trás, atingido no peito. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.

Faye olhou para Yoko, que ainda estava de pé, apesar da dor visível. Elas tinham feito o que era necessário. A missão estava cumprida, mas a que custo?

Sem mais palavras, Faye colocou o braço de Yoko sobre seus ombros, ajudando-a a caminhar de volta para o carro. Elas sabiam que teriam que desaparecer por um tempo, evitar as represálias que certamente viriam. Mas, naquele momento, Faye não se importava com o futuro.

Tudo o que importava era que Yoko ainda estava ali, ao seu lado.

Quando finalmente chegaram ao carro e Faye começou a dirigir para longe do caos que tinham deixado para trás, ela finalmente quebrou o silêncio. "Não quero te perder," disse ela, a voz rouca de emoção reprimida.

Yoko, exausta e com o rosto pálido, virou-se para ela com um pequeno sorriso, apesar da dor. "Nunca vai."

E, naquela noite, no meio da escuridão e da chuva incessante, Faye acreditou nela.

Entre Sombras e FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora