Ato 1, Sequência 3: Negócios

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Ato 1: Causas

Sequência 3: Negócios

Cena 6: Refúgios (Varsóvia, doze de junho de dois mil e vinte quatro, dezoito horas e trinta e quatro minutos)

Anna vai ao banheiro, encara o harmônico e belo, mas cansado rosto, decidindo por um enxague com água fria. Escuta movimentação na casa. Seca a face e repara: tons mais escuros para o banheiro talvez não tenha sido a melhor escolha, mesmo. Deixa o cômodo e vê a filha deixando e voltando ao quarto em questão de segundos. Segue para a sala de estar, onde nota a ausência do marido. O casaco já não está mais no suporte.

Andrzej caminha sob o pôr do sol. Os 4 dias de abstinência não se tornarão 5, pois o rumo é em direção ao seu bar de costume: um local meio elitista, repleto de homens de idade, forçadamente bem vestidos, contando mentiras uns para os outros ou afogando as mágoas silenciosamente. O cansado e preocupado homem chega, senta-se e aguarda o atendente trazê-lo o que nem precisava expressamente pedir: é de praxe. 

Elz coloca a roupa que mais gostava de usar e repetia o uso indiscretamente. Quando saiu do quarto e notou o pai deixando a casa com aquelas expressões, já conectou isso às mensagens de Lukasz e à atitude da mãe. Voltou para trocar o pijama por algo apresentável e iria até o menino, seu amigo, pessoalmente. Era bem provável que o palpite de que aquilo tudo envolvia os negócios dos pais dela e do garoto estava certo.

Lukasz seguia deitado, um pouco enfurecido com Elz. Tinha que avisá-la sobre novas informações que conseguiu do pai, pois não é novidade a decadência e o iminente conflito que as relações comerciais, por assim dizer, trarão consigo. Num momento desses, os costumeiros sumiços da garota não eram nada ignoráveis...não que usualmente fossem algo bom. Deixa mais uma mensagem.

LUKASZ

(num ato de sincera preocupação, em polonês)

— "sério, precisa saber de uma coisa nova aq"

Anna vai novamente ao sofá e não segura os prantos. Abrira mão de muita coisa para dar suporte a Andrzej nessa nova ideia comercial. Na verdade, pondo os pingos nos respectivos is, não sabia, de início, que seria cúmplice de diversos crimes para tal. Fornecer, através de sua posição privilegiada, insumos para a produção de drogas sob pretextos de fachada deveria dar bons anos de prisão. A formação em engenharia, o emprego na área e a antiga condição de funcionária pública eram um álibi perfeito. Já estaria movimentando esse tipo de produto de qualquer forma. 

Andrzej, já começando a perder a conta de quantas vezes ergueu e assentou o copo, começa a se lembrar do que o trouxe até ali. Quando o amigo de longa data, Wictor, relevou o que fazia para ter tanto dinheiro trabalhando pouco e sem formação acadêmica, ficou maravilhado. Devia ter suspeitado do risco, recusado a exposição ao crime, tirado sua família de perto. A ambição tomou conta dos pensamentos e agora a única certeza que tinha é que morreria mais cedo. Agora, os problemas já eram outros: como tirar a família do meio disso? Como contar aos demais? Deveria reagir ou simplesmente aceitar?

Elz passa pela mãe rapidamente, na esperança de que ela não repare muito. O barulho dos coturnos apressadamente passeando pelo piso a entregam um pouco. Diz para ela que vai pegar ar fresco e comprar sorvete, um pretexto clássico para suas repentinas saídas. A mãe também evita contato visual e assente com uma mão enquanto enxuga disfarçadamente as lágrimas com a outra. Ela finalmente responde o desesperado amigo, por mensagem.

ELZ

(com incômodo atraso, em polonês)

— "tô indo aí"

Ao Cair das MáscarasOnde histórias criam vida. Descubra agora