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Gerson - três dias depois

Quando cheguei em casa depois do treino, Joana estava no Jardim ao lado de paçoca tentando fazer ele comer.

- Nada ainda, dona Joana?

Ela - que agora tá com uma de mal falar comigo - só negou com a cabeça. A imagem de paçoca fraquinho com os olhos fechados e a lingua de fora me doeu tanto que meus olhos se encheram de lágrimas.

- A senhora pode abrir a porta de trás do carro pra mim? Vou levar ele no veterinário.

Ela fez que sim com a cabeça e eu peguei o vira lata caramelo nos braços.

(...)

- Ele passou por algum trauma recente? Algum episódio de maus tratos, abandono?

O veterinário perguntou sem me olhar, ainda tocando a barriga de paçoca. Cocei a nuca antes de dizer:

- Assim doutor, abandono, abandooono de as pessoas largarem ele, jamais tá ligado? É que eu e a minha mulher nos separamos e ela saiu de casa.

O senhor me olhou por cima dos óculos com um sorriso de canto no rosto.

- Diagnosticado então. O que o paçoca tem é saudade dela.

Cocei a nuca de novo

- Isso já me disseram, doutor. O que eu quero saber é o que o senhor pode fazer pra ele... sei lá, melhorar. Voltar a comer seria um boa, por exemplo.

O veterinário acarinhou a cabecinha de paçoca e negou indo pra mesa dele enquanto me dizia

- Eu não posso fazer nada, meu trabalho é tratar animais doentes e não existe remédio que trate o que o cachorro do senhor tem. Nunca ouviu aquela música: na farmácia não vende remédio pra saudade?

Respirei fundo e me abaixei na altura da mesa onde meu cachorro está deitado pra encostar nossas testas, ainda ouvindo o veterinário dizer

- Nas separações quem mais sofre é o cachorro do casal. Todo mundo acha que é só isso: ele fica com um dos dois e esquece que o outro existe, mas quem dera fosse assim. Na verdade o bichinho acaba sofrendo igual uma criança separada dos pais, ainda mais se o dono que ficou com ele estiver sofrendo também. Meu conselho é: procura a ex do senhor que só ela vai fazer ele voltar a se alimentar.

Assenti frustrado perguntando

- O encontro deles pode ser aqui?

O senhor titubeou ao responder

- O melhor seria que fosse num ambiente mais familiar pro paçoca mas eu entendo se precisar ser aqui. Separações são complicadas mesmo, podem ficar nessa sala.

Agradeci e peguei o celular enquanto ainda tinha coragem.

Isabella - neste dia

Você está recebendo uma chamada de Gerson Santos

Parei de anotar o que a professora falava porque meu celular não parava nunca de vibrar. Assustei na hora que vi quem era a pessoa que me procurava era quem eu mais queria e a última que eu esperava.

Fiquei tão sem reação que parei tudo: nem voltei a prestar atenção na aula nem desliguei a ligação, fiquei olhando a foto dele preencher a tela e sumir após a ligação cair por umas três chamadas. Quando a quarta caiu, chegou uma mensagem

Preciso falar com vc, é urgente.

Meu coração acelerou e eu levantei da cadeira pra retornar a ligação do corredor. Gerson atendeu no segundo toque

- Até que enfim!-Fiquei em silêncio. - - Isabella , você tem que vir aqui. Meu cachorro tá com saudade de você."

Juntei as sobrancelhas e no segundo seguinte a gargalhada de Gerson ecoou no meu ouvido pelo telefone.

- Eu sei que parece aqueles papo de cara apaixonado. Ou então de criança quando diz que o cachorro comeu a lição de casa, mas é sério pô. Tô com saudade de tu não, quem tó é o cachorro.

A voz dele soava tão animada que parecia que ele realmente estava achando isso engraçado. Caralho Gerson, um minuto de ligação e você já conseguiu me deixar triste.

- Isabella? Tá me escutando? Alô? Alo?"

Cocei a a garganta e respondi:

- Oi, oi. Tô sim.

- Ah, que bom. Então, eu tava falando que preciso que tu venha aqui. O paçoca tá com saudade de você

Fiquei em silêncio de novo.

- Olha, eu sei que é estranho e tal. Mas ele tá precisando de você, não come, fica o tempo todo deitado, nem parece aquele cachorrinho animado que ele era. O que faz sentido, né? Porque cê era mais dona que eu. Cê resgatou, cê passeava com ele todo dia, cê ficava aqui em casa sempre enquanto eu vivo viajando. Enfim, cê vem ver ele? Tamo aqui num pet shop.

Eu quis chorar só de imaginar o paçoca desse jeito que o Gerson descreveu.

- Tô aqui na aula mas eu saio antes e vou aí sim. Você tá no pet shop de sempre?

Ele deu uma risadinha fraca.

- Não que eu não sabia qual era, cê que sempre cuidou disso tudo. Tô em um aqui que eu achei, vou te mandar a localização.

- Tá bom, daqui uns minutos eu chego ai. Tchau.

- Tchau, Bella. E... obrigado.

- Não precisa agradecer, eu faria tudo pelo paçoca

- Sei que faria

Desliguei e entrei na sala pra juntar minhas coisas, Gabriel me olhou juntando as sobrancelhas e eu fiz um gesto de que tava vazando pra ele.

- Vou com tu.

Li a leitura labial e agradeci. la ser bom ter uma carona e melhor ainda chegar acompanhada lá. Ele me seguiu e eu dei o endereço, quando a moto de Gabriel estacionou de frente ao pet shop, eu ouvi a voz de Gerson lá dentro mesmo estando aqui na calçada e o meu coração acelerou.

Maratona 2/5

𝙲𝚊𝚜𝚊𝚖𝚎𝚗𝚝𝚘 𝙰𝚛𝚛𝚊𝚗𝚓𝚊𝚍𝚘 - 𝐺𝑒𝑟𝑠𝑜𝑛 𝑆𝑎𝑛𝑡𝑜𝑠 Onde histórias criam vida. Descubra agora