1. Jantar de decepção

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O salão de jantar estava submerso em um silêncio denso, quase sagrado, apenas rompido pelo som dos talheres de Viserys contra o prato, cada arranhão ecoando como uma lâmina sutil. Ele comia com apetite, diferente dos filhos, os olhos fixos na refeição fumegante, alheio ao que se desenrolava ao seu redor. A sua frente, seus filhos trocavam olhares silenciosos, cada um carregando em seus ombros um peso que ele parecia não notar. Era como se o ar estivesse saturado com palavras que jamais ousariam ser ditas.

Helaena, sentada próxima ao irmão, observava com olhos distantes. Aegon murmurava uma história em sua língua materna, tentando arrancar dela um sorriso esquecido, enquanto os dedos distraídos ela brincavam com uma joaninha que pousara em sua mão. Ela o ouvia, mas sua mente vagava entre sombras e temores, o olhar desviando para o pai e os irmãos, como se pressentisse a tempestade que se formava. Estava com medo, nervosa, odiava aquela sensação. Cada um deles, em seu próprio silêncio, era uma peça partida de um mosaico que já fora uma família, agora destruída em pedaços.

Do outro lado da mesa, Aemond encarava o vazio com uma intensidade quase espectral, o olhar fixo em um ponto invisível, como se tentasse enxerga algo que ninguém mais pudesse ver. Sua mão segurava o talher com força, os dedos rígidos e as pontas brancas, tremendo sob a tensão que queimava dentro dele. Ele estava presente apenas no corpo, pois sua mente vagava para além das paredes daquele salão, talvez perdida em rancores e ressentimentos há muito acumulados.

Mas Rhaenyra era um vulcão adormecido, prestes a explodir. Seu punho cerrado, o maxilar travado, enquanto olhava fixamente para Viserys. Uma fúria silenciosa brilhava em seus olhos, e as palavras que Alicent proferira horas antes ainda ecoavam em sua mente como um veneno que lentamente se espalhava. Aquela proposta, um insulto disfarçado de aliança com o objetivo em dar fim à guerra. Que ironia cruel: o próprio pai, o homem que ela mais desejava confiar, estava disposto a se aliar aos inimigos que haviam tirado sua mãe. Uma aliança forjada com as próprias mãos dos usurpadores, aqueles que carregavam o sangue de sua muña em suas espadas.

Então, sem aviso, Rhaenyra soltou os talheres, o som cortando o silêncio como um trovão. O ruído fez a joaninha voar e atraiu os olhos do rei, que ergueu a cabeça, surpreso. Helaena se encolheu ao som, segurando o braço de Aegon como se ele pudesse protegê-la de algo invisível, enquanto Aemond piscava, saindo de seu transe como se fosse puxado de um abismo.

Viserys a encarou, o rosto marcado por cansaço, mas com uma expressão que beirava a confusão. Ele parecia incapaz de entender o motivo daquela interrupção, e sua voz saiu com uma serenidade que fez a raiva de Rhaenyra crescer ainda mais.

— Algo lhe perturba, minha filha? — A voz dele era suave, quase morna, mas para ela parecia uma lâmina fria.

Ela respirou fundo, tentando conter as palavras amargas, dar uma desculpa esfarrapada que sempre funcionava, mas o tom ácido escapou de seus lábios antes que ela pudesse se controlar.

— O senhor realmente não percebe o quanto se tornou fraco e cego diante dessa guerra?

O olhar de Viserys se transformou. A surpresa das palavra deu lugar à indignação, os traços endurecendo, e por um instante, Rhaenyra quase sorriu. Ele podia ser lento para entender a verdade, mas era rápido para se ofender. Sua voz ecoou pelo salão com uma autoridade enfraquecida, como um trovão distante que apenas sugere a tempestade.

— Exijo que controle sua língua diante de mim, Rhaenyra! — A voz dele reverberou como uma ameaça, mas ela permaneceu firme. Sentiu o furacão rugir em seu peito, e antes que pudesse hesitar, ela se ergueu, derrubando a cadeira. O som ecoou como uma proclamação, e cada palavra que saiu de sua boca parecia envolta em chamas.

— Controlar minha língua? O senhor pensa que pode me mandar calar? Se ao menos tivesse o mesmo zelo ao lidar com seus inimigos, talvez estivéssemos em paz agora. E agora o senhor pretende se aliar a uma... meretriz daquela família, culpados pela morte de minha mãe?

Viserys ficou vermelho de raiva, e num impulso, levantou-se e bateu o punho na mesa. Helaena deu um pequeno grito, agarrando-se ainda mais ao colo de Aegon começando a chorar, enquanto Aemond observava, com os talheres quase deformados pela força com que os apertava.

— COMO OUSA COLOCAR SUA MÃE NAS SUAS PALAVRAS FÚTEIS! — gritou Viserys, sua voz ecoando pelo salão, e as velas tremeram, lançando sombras que dançavam ao redor deles. Mas Rhaenyra não se intimidou. Sua raiva era como uma chama que consumia tudo ao seu redor.

— E como ousa desonrar sua memória, pai? Não faz nem um ano desde que ela partiu, e o senhor já está disposto a ignorar tudo pelo qual ela lutou. Está se afundando em uma paz que não durará, todos nós sabemos que é uma ilusão. Essa aliança não trará paz, mas apenas a ruína de nossa casa!

O rosto de Viserys endureceu, e ele tentou retomar o controle.

— Faço o que é melhor para o reino — disse ele, mas o tom estava vazio, uma repetição desgastada, como se tentasse convencer a si mesmo mais do que a ela.

A atenção do rei se voltou para Aegon, mas o irmão apenas desviou o olhar segurando sua pequena irmã com força, não desejando intervir. Mesmo ele, sempre indiferente, entendia que Rhaenyra estava expressando o que cada um deles sentia sobre a situação que o reino se encontrava, dividido em dois.

— Saiam. Todos vocês — ordenou Viserys, sua voz cansada, como se implorasse pelo fim daquilo. Ele queria apenas silenciar as palavras de dor que o feriam como lanças invisíveis.

Rhaenyra foi a primeira, saindo em passos firmes com a ira estampada em seus olhos violetas. Aegon se levantou com Helaena em seus braços, sua irmã ainda tremendo levemente dando soluços, e Aemond o seguiu. No entanto, ao chegar à porta, Aemond parou, hesitando por um instante. Ele se virou e olhou o pai, seu rosto em uma expressão fria e desafiadora.

— Deveria ter sido você, não ela — murmurou, sua voz cortando o silêncio como uma maldição.

Em seguida, ele se afastou, deixando o salão envolto em um silêncio ainda mais profundo. Viserys permaneceu só, encarando o vazio com um peso no peito que ele não sabia como suportar. Na sua mente, a lembrança de Aemma surgiu como uma sombra, como uma voz sussurrando no vento. Sentiu-se esmagado pela culpa, pela dor e pelo ódio. Sabia que seus filhos, de alguma forma, estavam certos, mas era incapaz de enfrentar seus próprios erros.

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⏰ Última atualização: 7 days ago ⏰

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