O Encontro no Culto.

109 9 4
                                    

O calor abafado daquele domingo refletia o peso das expectativas que Maria Luiza carregava. Movimentando-se com leveza entre os fiéis, ela distribuía sorrisos e cumprimentos formais, como sua mãe sempre a ensinou. Com o cabelo bem preso e o vestido recatado, era o reflexo perfeito da neta do pastor: imaculada e exemplar.

A pequena igreja estava lotada. Os cânticos ecoavam pelas paredes desgastadas, trazendo uma sensação de paz e segurança a todos ali dentro. Maria Luiza sempre se sentira em casa entre aquelas paredes. No entanto, naquele dia, algo estava diferente. Uma inquietação nova a acompanhava, como se ela estivesse esperando por algo — ou alguém — que ainda não conseguia entender.

Foi então que seu olhar encontrou o dele.

No fundo da igreja, um pouco escondido entre as últimas fileiras, estava um rapaz que destoava completamente do ambiente. Usava uma jardineira jeans com uma camiseta azul marinho por baixo e um boné virado para trás.  Seu olhar era intenso, desafiador, e havia algo nele que a fez desviar os olhos, como se fosse errado encará-lo por muito tempo. Mas a curiosidade a puxava. Ela lançou outro olhar rápido em sua direção e percebeu que ele também a observava, um leve sorriso curvando seus lábios.

Sentada no primeiro banco da igreja, bem em frente ao altar onde o avô pregava a palavra de Deus, Maria Luiza achava quase impossível manter o olhar para frente. Durante várias vezes ao longo do culto, olhou para trás, apenas para ter certeza de que o rapaz ainda estava ali.

Após o culto, enquanto os fiéis se dispersavam, o pastor João, como era conhecido, conversava com alguns membros da comunidade. Maria Luiza estava focada em descobrir quem era o jovem misterioso no fundo da igreja. Quando finalmente tomou coragem para levantar e ir até ele, seu avô a chamou.

— Maria, pode vir aqui, por favor? — Pediu o pastor, interrompendo seu impulso.

A menina parou imediatamente, olhando para o rapaz, que agora estava a poucos centímetros de distância dela. Estava tão perto de falar com ele… quase o suficiente.

Ela lançou um último olhar em direção ao jovem e, então, virou-se, caminhando em direção ao avô.

— Oi, vovô. — Disse, se aproximando do pastor.

— Querida, a dona Arlete e eu estamos preparando uma ação social para os jovens do Dendê. — Explicou o pastor, olhando para a neta com orgulho.

— É uma ação para trazer mais pessoas para os braços de Deus. — Acrescentou dona Arlete, com um sorriso nos lábios. — Gostaríamos de saber se você quer participar, Maria. Como moradora da comunidade e sendo uma jovem tão inteligente e linda, seria ótimo ter você nessa ação social. Quem melhor do que a neta do pastor João?

Por ser neta do pastor e frequentar a igreja, Maria Luiza. era estereotipada como "a jovem perfeita". Sempre ajudando o avô, seguindo os caminhos da fé e, o mais importante, disposta a ajudar os adolescentes a encontrarem o caminho certo. Todas as mães a usavam de exemplo quando queriam julgar seus filhos por estarem indo mal nas provas, por serem mal-educados ou por não irem à igreja. O único problema era que Maria Luiza não queria fazer parte disso.

— Claro, dona Arlete — Disse Maria Luiza, forçando um sorriso. — Será um prazer ajudar mais adolescentes a seguirem o caminho da igreja.

— Fico tão feliz que você tenha aceitado — Exclamou dona Arlete. — Podemos começar a ver o que precisamos para iniciar o projeto. Poderia pegar papel e caneta para fazermos a lista?

— Claro, dona Arlete. Vou até o pátio pegar minha mochila. — Avisou a garota.

— Pode ir, só não demore. — Pediu o pastor.

Maria Luiza se afastou do avô e olhou para o fundo da igreja, mas não havia mais ninguém lá. Um suspiro de decepção escapou de seus lábios. Sem muitas opções, dirigiu-se para a área de trás da igreja em busca de papel e caneta em sua mochila.

Ao chegar ao pátio, deu de cara com o mesmo rapaz dos fundos da igreja. Ele parecia ainda mais deslocado ali, mas, de perto, era ainda mais bonito.

Os olhos dele brilharam ao vê-la, e Maria Luiza sentiu seu coração acelerar. Estava prestes a virar-se e voltar para dentro quando ele a abordou.

O outro lado da fé - Radinho Onde histórias criam vida. Descubra agora