01 | Sweet Neighbor

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Botafogo, Rio de Janeiro
29, outubro - 2015

A vida no Rio de Janeiro tem seus altos e baixos. E quem diria que um dos baixos seria ter como vizinho ninguém menos que Roberto Nascimento. O respeitado capitão do BOPE.

Eu mal conseguia acreditar no meu azar no começo. Quem em sã consciência gostaria de morar no mesmo prédio que o homem mais bruto, insensível e autoritário da cidade? Mas aqui estava eu, uma comissária de bordo, dividindo prédio com o cara que acha que "gentileza" é uma palavra proibida no dicionário.

Hoje de manhã foi só mais um exemplo do tipo de "conversa" que eu tinha com ele. Estava voltando de uma escala noturna, cansada, segundo uma mala e necessitando de um banho quente após 5 voos naquela escala. Assim que deixei meu carro no estacionamento, lá estava ele, Nascimento, parecendo estar de em alerta mesmo fora do trabalho. Ele estava mexendo em alguma coisa no porta-malas do carro.

— Oh minha filha, dá pra tomar conta da sua vida ou vai ficar olhando pro carro? — ele esbravejou rispidamente sem se preocupar com as regras de etiqueta. Me limitei a respirar fundo antes de responder a esse tipo de grosseria. Era reinada para lidar com pessoas assim.
— Eu não tô no seu caminho, Nascimento — respondi, mantendo o tom calmo, mas firme.

Ele me encarou com seus olhos transbordando ódio e veio em minha direção com aquela expressão de quem está a ponto a explodir. — Quem você pensa que é pra ficar batendo boca comigo? Vai cuidar da sua vida, vai voar por aí que aqui embaixo quem manda sou eu !
— Eu tô cuidando da minha vida, obrigada — retruquei, já sem paciência. — E, só pra constar, esse prédio não é seu. Se você quer espaço, vai pro quartel.

Ele bufou, irritado com o fato de eu não ser submissa a ele como os outros. — Você não tem ideia de com quem tá falando, garota.- Rosnou.

Cruzei os braços e o encarei de volta. — Sei muito bem com quem tô falando. Capitão Nascimento, capitão do BOPE, machão... Mas quer saber? Nem todo mundo se intimida com essa sua marra de pitbull.

Ele avançou um passo, o peito estufado e eu senti a tensão no ar,m mas não recuei. Encarei o fundo dos seus olhos. Sabia que ele estava acostumado a ver as pessoas se afastarem, a ficarem em silêncio quando ele abria a boca. Mas não eu.

— É assim que você vai acabar se machucando, sabia? — ele disse, a voz baixa e grave, quase um rosnado. — Eu faço as regras por aqui e quem não segue, tá fora.
— Você pode fazer as regras no seu trabalho, mas aqui, nesse prédio, todo mundo tem o mesmo direito. Se você quer respeito, Nascimento, precisa aprender a dar também.

Ele ficou me encarando por uns segundos, como se estivesse processando o fato de alguém ter coragem de falar com ele desse jeito. Até que, sem aviso, ele riu. Um riso baixo, gutural.

— Você tem coragem mas coragem não vai te salvar nesse mundo, não.

Sorri de volta, mas o meu sorriso era de desafio, não de amabilidade. — Coragem é o que me faz continuar vivendo, Nascimento. E, ao contrário de você, eu não preciso gritar com os outros pra mostrar isso.

Ele soltou um palavrão baixinho e sacudiu a cabeça, voltando ao seu carro. — Tá bom, garota, vai lá cuidar da sua vida de comissária.

— Ótimo! — respondi, me virando e subindo as escadas para meu apartamento. De alguma forma, saber que eu o irritava tanto me dava uma certa satisfação.

Ele podia ser o brutamonte que fosse mas uma coisa era certa: enquanto eu morasse nesse prédio, ele teria alguém à altura.

Collide | Capitão NascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora