Cena 3: Sussurros na Escada - Jane Eiry

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Sempre fui uma mulher cética. Quando herdei a antiga mansão de minha tia-avó, localizada numa pequena cidade no interior, não dei ouvidos às histórias que circulavam sobre o lugar. Sempre ouvimos dizer que a casa era mal-assombrada. Mas nunca vi nada, nem eu, nem meus primos que fazíamos aqui, de ponto certo nas férias. As pessoas realmente tinham medo, por que não deixavam seus filhos virem brincar conosco. Diziam que quem entrava lá saía transformado ou não saía de forma alguma.
Decidida a começar uma nova vida, me mudei para a casa, ignorando os burburinhos e olhares desconfiados dos moradores. Arrumei toda a propriedade, consertei, pintei, ficou bonita. Mexi no quintal e fiz até uma hortinha no fundo. Fiz pra mim e para oferecer aos vizinhos, mas pelo jeito quem mora nessa casa não é bem-quisto.

— Esse pessoal são um bando de fofoqueiros, isso sim — dizia pra mim mesma querendo acreditar que tudo era só um boato sem fundamento.

Logo nas primeiras noites, comecei a ouvir vozes baixas que pareciam vir de todas as direções. Acreditei ser o vento, ou talvez apenas o som de uma casa tão velha rangendo durante a madrugada. Mas as vozes não pararam, e, pior, pareciam cada vez mais direcionadas a mim, chamando meu nome em sussurros abafados.

— Luana, vem aqui... Aqui. — Parece que é isso que ouço. Balanço a cabeça tentando afastar isso de mim.

— Não venha aqui não... vai se arrepender — ouço novamente.

Numa dessas noites, resolvo explorar a casa. Enquanto passeio pelos corredores, meus pés me levam a um canto escuro que eu nunca tinha notado antes. Lá, coberta por uns tapumes velhos, está uma porta, tipo se fosse de um porão. Na verdade me lembro que quando criança, sempre tinha uma porta fechada e diziam que era uma das passagens pro porão e mantinham assim para as crianças não irem lá. Pois podia ser perigoso. Abro e tem uma escada que parece descer para algum lugar que não constava no mapa da casa. Curiosa, decido descer. Essa escada é em espiral e quanto mais eu desço mais longa ela parece. Cada degrau da escada range sob meus pés, e o ar parece mais pesado conforme desço. Alguns minutos depois, percebo que a escada é muito mais longa do que normalmente deveria ser. Sinto um certo desespero e penso em voltar , quando começo a subir, os degraus acima de mim somem e não consigo voltar. Foi então que os sussurros que ouvi antes voltaram de novo, mais
próximos desta vez, e mais claros.

—Luana, desce aqui... — ouço alguém.

—Não desça, não...— ouço outro.

Não era mais apenas o vento. Eram vozes. Muitas vozes. E estão claras agora, muito claras. Paro, tentando me acalmar e identificar de onde vem essas vozes. Ao olhar em volta, vejo vultos indistintos seguindo-me, rodeando-me, até escada abaixo. Desesperada, acelero o passo, tentando chegar ao fim da escada , mas ela não tem fim. Quanto mais desço, mais sinto como se estivesse sendo puxada para dentro de um pesadelo. As paredes da escada parecem mudar, pulsando como se fossem feitas de carne viva, e o cheiro de mofo e algo podre invade meu nariz.
A escada me leva para um lugar que não deve existir, uma dimensão onde o tempo não passa e onde as vozes que me chamam não devem ser de pessoas vivas. Devem ser de almas presas ali, vítimas da mesma curiosidade que agora me arrasta. Uma delas, uma mulher que reconheci pelos retratos antigos da família, sussurra ao meu ouvido:

—Você nunca deveria ter descido... Não me ouviu e ouviu eles...

Aterrorizada, começo a gritar e correr descendo a escada, mas por mais que tento, os degraus continuam se multiplicando, e os vultos chegam cada vez mais próximos. Sinto minhas forças se esvaindo, enquanto as vozes, uma mistura de lamentos e promessas de vingança, ecoam cada vez mais alto em minha mente.
Quando finalmente paro, sem fôlego, percebo que estou no mesmo ponto de onde havia saído, como se estivesse presa num ciclo infinito. O último sussurro que ouço antes de perder a consciência foi o mais frio e arrepiante de todos:

— A casa sempre ganha! — Seguido de uma risada horrorosa, alta e maquiavélica.

Na manhã seguinte, a mansão parecia calma e vazia. Os moradores da cidade comentaram que a nova moradora assim como os outros antes dela, simplesmente desapareceu. E na velha casa, um novo sussurro ecoava pelas paredes, o meu, chamando o próximo visitante para descer a escada sem fim.

— Jane Eiry

Coletânea de Halloween Pena DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora