Enquanto caminhava pelo corredor da igreja, Matthew mantinha a expressão serena e reservada, aquela que todos esperavam de um homem do clero. Mas, por dentro, o desconforto o corroía.
O encontro havia sido inesperado e, de certo modo, perturbador. Ele se esforçara para manter o autocontrole, mas os olhos dela o haviam atingido de uma maneira que ele não esperava. Havia algo naquela jovem que tocava partes de si mesmo que ele julgava controladas — uma parte que ele mantinha em silêncio, envolta na escuridão de seu passado.
Ele fechou os olhos por um instante, como se quisesse afastar os pensamentos que começavam a se desenrolar. Havia um ar de dor e revolta nela que ele reconhecia, quase como se visse o reflexo de uma versão mais jovem de si mesmo. Matt sabia, sem ter que perguntar, que ela carregava cicatrizes invisíveis e que havia algo nela que lhe atraía e o incomodava ao mesmo tempo.
Durante todos os anos que passou envolto em sua própria batalha interna, Matthew aprendeu a reprimir o passado e a projetar uma imagem de calma e retidão. Sabia fingir, sabia o que dizer, sabia esconder a repulsa que sentia pela própria instituição que agora representava. Mas ela... Ela era como uma rachadura no gelo que ele cuidadosamente construíra ao seu redor, uma lembrança inquietante do que ele tentava enterrar.
"Ela não entende," pensou, refletindo sobre a revolta que vira nos olhos dela, "mas, de algum modo, eu entendo." Ela era jovem demais para perceber que as respostas que procurava não se encontravam ali, naquele altar. Que fé alguma seria capaz de curar as feridas profundas que a vida lhe causara. E, talvez, fosse isso que ele mais temia — ver na dor dela um eco da sua própria descrença, uma dor tão semelhante à sua, que ela mal percebia.
A lembrança de seu olhar inquieto o fez parar por um instante. Era perigoso, ele sabia. Manter-se perto dela, cruzar o caminho de alguém que o fazia se lembrar de tudo que ele abominava, poderia trazer à tona partes de si que jamais quisera mostrar...
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Naquela noite, Matthew ajustou o colarinho da batina com um misto de desdém e resignação. O jantar na casa do prefeito Bellini, uma recepção formal de boas-vindas, era o tipo de evento que ele evitava a todo custo.
Políticos, representantes de altos cargos e os mais abastados da cidade estariam lá, prontos para celebrar a chegada do novo pároco, um "emblema de esperança" para a pequena comunidade. Ele sabia que era apenas uma encenação, uma palhaçada de aparências que mantinha a fachada de uma cidade que, por baixo do verniz, estava infestada de ambição e hipocrisia.
Ainda assim, ele iria. Embora negasse até para si mesmo, sentia-se impulsionado pela lembrança daquela jovem que encontrara na igreja. Não era um impulso que ele entendia completamente, mas algo nele reconhecia uma conexão, algo familiar que o atraía de maneira inquietante. Ela era a razão velada pela qual ele se preparava para ir àquela noite que, de outra forma, desprezaria completamente.
Enquanto caminhava até a casa do prefeito, Matthew sentia uma contradição que o deixava intranquilo. Sequer sabia o que esperava daquela noite. Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele não pensava em evitar ou resistir ao impulso de agir — ainda que fosse pelo motivo errado.
Ao chegar à imponente mansão dos Bellini, Matthew não pôde evitar a sensação de repulsa que crescia dentro de si. A casa, imaculadamente decorada, exalava um luxo excessivo, o tipo de riqueza que tentava se esconder atrás de uma pretensa simplicidade.
Colunas de mármore enfeitavam a entrada, e as paredes eram adornadas com obras de arte que ele suspeitava serem tão vazias quanto as palavras daqueles que as admiravam. Cada detalhe gritava um esforço desesperado para encobrir os segredos e falhas da família que ali residia, uma fachada cuidadosamente construída para uma cidade que venerava aparências.
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PROFANO | Em Andamento
RomansaAssim como existem dois lados de cada história, existem dois lados de toda pessoa. Um lado que revelamos ao mundo e outro que mantemos escondido. Por trás da batina, aparência angelical e sermões sobre amor ao próximo e perdão, o padre Matthew Hyde...