Capítulo 15

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— Aí, Raul. Você me empresta o carro pra ir na casa de um colega meu? Eu encho o tanque.

Raul ergueu o olhar, desviando a atenção da mesa que colocava para o jantar, e viu Bernardo parado à porta, devidamente arrumado.

— Não vai jantar?

— Não. Fiquei de ir na casa de um amigo. Ele fez aniversário ontem e vai dar uma festinha, tá ligado? Já avisei minha mãe.

Raul hesitou por um momento. Já era a terceira vez na semana que Bernardo saía e, em todas as vezes, ele não voltou antes das duas da manhã. Mas, ao mesmo tempo, não encontrou outra alternativa, senão ceder ao pedido dele.

— A chave tá lá no porta chaves.

— Valeu, cara! 

Bernardo fez uma pequena comemoração e se aproximou de Raul, dando-lhe um leve e amigável tapa no ombro, antes de dizer num tom meio malandro:

— As meninas vão pirar naquela BMW.

Raul não soube o que responder, apenas observou o enteado sair quase saltitante da sala de jantar e, poucos instantes depois, ouviu o ronco da BMW sendo ligada na garagem. 

Bernardo não falava sobre a perda do irmão. Havia pelo menos dez dias que este assunto parecia ter morrido para ele. Às vezes, Raul se pegava pensando se ainda era luto ou se o enteado havia superado rápido demais. Nem mesmo Lorena falava muito sobre. Ela ainda chorava de vez em quando, mas até parecia que, de repente, ela havia aceitado o destino.

— Raul, vem cá me ajudar, por favor.

Ele foi tirado dos pensamentos ao ouvir seu nome sendo chamado desde a garagem. Era Lorena que acabava de chegar da clínica.

— Ué, passou no supermercado? — Raul perguntou ao encontrá-la na garagem com o porta-malas do carro repleto de sacolas.

— Comprei algumas coisas que estavam faltando — ela respondeu sem olhá-lo, enquanto escolhia quais sacolas levaria para dentro.

Raul estranhou. 

Normalmente, ao chegar, ela sempre o cumprimentava com um selinho antes de qualquer coisa. Mas, apesar do estranhamento, ele não fez alarde. Pensou que, talvez, ela estivesse cansada, o que faria sentido, afinal, ele ainda achava uma má ideia ela ter voltado para a clínica. Já haviam se passado duas semanas desde o falecimento de Ícaro, mas ainda parecia que estavam no primeiro dia após a tragédia — ou, pelo menos, era assim que Raul se sentia. Mas Lorena argumentou, quando decidiu voltar para o trabalho, que ocupar a mente com os afazeres profissionais era o melhor remédio para o luto. 

— Tem certeza que comprou só o que estava faltando? — brincou Raul, quando reuniu todas as sacolas nas duas mãos.

— Talvez, eu tenha comprado um pouco mais.

A sombra de um sorriso se desenhou nos lábios de Lorena, que logo entrou em casa.

Ao passar pela sala, onde Beatriz e os gêmeos estavam praticamente largados no sofá assistindo TV, ela também não os beijou, fazendo crescer o estranhamento em Raul.

— Aonde você vai? — ele perguntou ao ver a esposa tomar o rumo do escritório ao invés da cozinha, onde deveria deixar as sacolas que ela estava carregando.

— Hã?

Lorena se deteve, visivelmente atordoada.

— Não vai colocar essas sacolas aí na cozinha?

Ela olhou para as sacolas, como se estivesse bolando a melhor resposta.

— Não, é que... isso daqui é... é coisa minha.

Amor de Pai - Em Andamento ⏳Onde histórias criam vida. Descubra agora