Capítulo 9

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No dia seguinte

— Mãe!

Lorena acordou de uma vez, certa de que havia escutado a voz de Ícaro, mas logo deduziu que tudo não havia passado de um sonho quando se viu presa aos braços de Raul, que, adormecido, roncava baixinho. Ela nem se lembrava como havia pegado no sono no dia anterior. Por certo, havia tomado algum calmante que a manteve apagada por mais de oito horas e a consequência disso era a estranha zonzeira que sentia — mesmo porque não havia comido praticamente nada até então.

— Raul.

Em circunstâncias normais, ele não acordaria assim tão fácil. Mas bastou que Lorena o tocasse levemente no ombro para ele abrir os olhos quase num reflexo automático.

— Me desculpa por te acordar.

— Tudo bem, eu não estava dormindo.

— Você tava roncando.

— Tava?

Lorena assentiu devagar.

— Nem percebi.

Raul esfregou os olhos, espantando as teias do sono, e perguntou:

— E você? Descansou um pouco?

— Eu apaguei, mas... Eu tomei algum remédio ontem?

— Tomou. Não lembra?

— Não lembro de nada, só do que é impossível esquecer.

Sustentaram o olhar um sobre o outro por alguns instantes, até que o azul dos olhos de Lorena contrastaram com o avermelhado que anunciava a chegada de alguns pares de lágrimas, que correram por sua bochecha como se realmente tivessem todo o direito de fazê-lo.

— Dói demais, Raul.

— Eu sei — ele sussurrou, puxando-a para mais perto.

— E sabe o que mais dói? Saber que a última coisa que ele ouviu de mim foi eu brigando com ele. Você viu o jeito que ele entrou no quarto e eu perdi a cabeça, porque eu odeio que entrem no meu quarto assim e eu já tinha falado isso com ele mil vezes, mas... não era isso. Ele já estava sentindo alguma coisa e eu não percebi.

— Mas você não precisa se culpar por isso. Realmente, foi algo inesperado. O Carlos disse.

— E se ele partiu com raiva de mim?

— Não...

— Porque eu confesso que, anteontem, quando eu busquei ele na escola, eu fiquei nervosa e não procurei ele mais. Provavelmente, ele ficou a tarde inteira no quarto e à noite, você viu, ele nem desceu para jantar e eu nem fui saber se estava tudo bem com ele. Que tipo de mãe eu sou, Raul?

Houve um silêncio. 

Raul escolheu um canto do quarto para ficar olhando, enquanto se lembrava de que realmente não havia visto o enteado na noite em que tudo aconteceu. Mas, naquele momento, não estranhou, afinal, a casa era grande e havia um bom tempo que encontrar com Ícaro pela casa estava se tornando cada vez mais raro. No entanto, quem poderia dizer que o desfecho de tudo seria uma fatalidade como aquela?

— A propósito, feliz dia dos pais.

Raul foi trazido de volta à realidade pelas palavras de Lorena, que brindou-lhe com um breve selinho.

— Obrigado.

— Não foi assim que eu imaginei, mas...

— Deus sabe de todas as coisas, Lori.

Lorena deteve-se e fitou o marido por um curto instante, antes de desviar o olhar e dizer num tom quase inaudível:

— É bom que Ele saiba mesmo.

Amor de Pai - Em Andamento ⏳Onde histórias criam vida. Descubra agora