ATO IV
A borboleta e a serpenteDia 12 de maio de 2022
— Ele... ele não tá se mexendo. — A voz de um dos garotos que eu costumava chamar de amigo saiu vacilante, mas o olhar logo encontrou o de Kayn em pleno desespero.Kayn era o garoto que um dia me tratou como seu irmão, seu melhor amigo e seu fiel confidente. Agora, me observava com um desprezo cortante, como se cada segundo que passava ao meu lado fosse uma afronta.
O frio do chão penetrava minha pele, enquanto meu corpo parecia ferver sob a pressão dos machucados que cobriam cada centímetro do meu corpo. Hematomas manchavam minha pele como uma assinatura violenta, e o blazer do meu uniforme, o cinto, as minhas calças abaixadas... tudo estava espalhado, tirado de mim. Eu respirava, via tudo em câmera lenta, como se estivesse preso a uma tela, forçado a assistir impotente. Meus sentidos gritavam para reagir, mas era inútil. Eles eram muitos, e eu... eu estava sozinho. Só restava esperar que acabassem.
É estranho, não? Como um gesto tão pequeno pode distorcer toda a sua vida. Uma ação que parecia insignificante é capaz de criar uma linha do tempo que você jamais teria imaginado acontecendo. Você já ouviu falar do efeito borboleta? No começo, isso parecia uma teoria distante, mas hoje ela se tornou quase uma obsessão. A ideia é simples: o bater de asas de uma borboleta nos Estados Unidos pode desencadear um furacão na China. Quer dizer, uma ação que parecia insignificante pode, pouco a pouco, desencadear algo que fuja do controle. Um efeito dominó que transforma o trivial em uma enchente, uma catástrofe sem retorno.
Você já teve um efeito borboleta? Acredito que todos, em algum momento, passaram por isso — aquele instante inofensivo que virou sua vida do avesso. E agora, talvez, você fique preso nesse pensamento: "Se eu pudesse voltar no tempo, teria feito diferente, teria evitado isso." É uma droga, né? Saber que voltar no tempo é impossível. Que a única coisa que resta é aceitar o caminho que você mesmo trilhou, a história que escreveu para si. E pior, carregar a culpa. Saber que, no fundo, tudo que deu errado... foi resultado de suas próprias escolhas.
Eu penso muito nisso. Me martirizo demais, mas nunca coloquei a culpa em Kayn. Acho que, de algum jeito, pensar que ele me odeia por causa das minhas próprias falhas faz tudo parecer mais... suportável. Como se aceitar que ele é uma pessoa boa, enquanto eu sou o lado ruim da história, fosse uma forma de conseguir dormir melhor a noite. Mas, mesmo assim, sofro com insônia e pesadelos que voltam noite após noite. Eles sempre começam como sonhos: estou de volta ao passado, onde ainda tenho a chance de fazer diferente, de evitar tudo isso. Mas, quando volto, ele me odeia ainda mais. Me olha com desprezo absoluto, como se soubesse que eu manipulei o tempo, que brinquei com nossas vidas. Então, percebo que tentar mudar só piora as coisas. Não tem saída. Kayn vai me odiar, e essa amizade... é uma ilusão que nunca vou poder recuperar.
— Ei, tá vivo? — A voz dele rompeu minha introspecção. Levantou meu queixo com o pé, como se minha dor fosse nada mais do que um inconveniente. Um cigarro pendia de seus lábios, o cheiro se misturando ao frio do chão contra meu rosto. Seus cabelos escuros faziam contraste com aqueles olhos verdes e penetrantes, como esmeraldas frias e distantes. O uniforme da escola estava impecável, cada dobra perfeitamente no lugar, intocado pela sujeira e pelo caos ao redor, como se ele fosse um observador isento.
Eu ergui o olhar, mas o cansaço era mais forte que o ódio, mais forte que qualquer coisa.
— Vivo. — A palavra deixou seus lábios num sussurro vazio.
Ele me olhou por um segundo a mais, como se estivesse confirmando sua resposta, e depois se afastou, sem uma palavra.
Eles nunca machucavam meu rosto. Lugares visíveis ficavam sempre fora do alcance de seus toques brutais. E eu mantinha tudo guardado, trancado dentro de mim. Não compartilhava o que sofria com ninguém. Todo mundo sabia, é claro — na escola, era como um segredo mal contado. Mas ninguém ousava se envolver; todos tinham medo de acabar como eu.
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A Residência Myers | TAEKOOK
FanfictionTaekook | Temas Sensíveis | Terror | Inspirada em American Horror Story Kim Taehyung e sua família, após uma série de acontecimentos devastadores, decidem se mudar para uma nova cidade em busca de um recomeço. Porém, o passado se infiltra como uma s...