𝐇𝐀́ 𝐀𝐋𝐆𝐎 𝐄𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎 𝐂𝐎𝐌 𝐂𝐇𝐀𝐑𝐋𝐎𝐓𝐓𝐄 𝐌𝐀𝐓𝐓𝐇𝐄𝐖𝐒 ━━ Lottienat

𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟐𝟐)

Dizem que a morte é um mistério profundo, assim como é algo natural destinado a qualquer ser vivo. Tudo tem um começo, meio e fim. Algumas pessoas estão acostumadas com a ideia de que a morte virá algum dia, completamente sem aviso, enquanto outras optam por viver em plena ignorância, recusando-se a acreditar que um dia serão reduzidas a nada. Charlotte Matthews nunca pensou muito sobre a forma como morreria, embora a ideia de acabar com a própria vida tenha sido tentadora em muitos momentos. Agora, ela se encontrava realmente morta — ou pelo menos, durante o tempo necessário para que sua alma fosse sugada para um reino desconhecido.

Uma canção suave ecoava pelo ar, envolvendo o corpo inerte sobre uma mesa de pedra. Uma agulha fina atravessava o buraco vazio em seu peito, e uma dor tênue fez com que uma reação sutil se espalhasse pelo rosto pálido de Charlotte. Não foi o suficiente para despertá-la, mas algumas palavras escaparam de seus lábios rachados. Era um nome feminino, repetido várias vezes, como um pedido desesperado de socorro. A mulher ao lado suspirou, aumentando o tom de sua cantiga enquanto terminava o trabalho, então abaixou o rosto até ficar próximo daquele que começava a recuperar uma cor fraca.

— Acorde, filha — murmurou, o hálito quente tocando as bochechas agora rosadas. — Acorde, Charlotte Matthews.

A ordem foi clara e firme, o suficiente para fazer Charlotte saltar da mesa de pedra com o coração disparado. O impacto no chão a fez gemer de dor, e, em meio à confusão, ela se deu conta de que estava viva, apesar de morta. Como isso era possível? Ela ainda se lembrava bem da luta com Sebastian, da forma como perdera brutalmente para ele. O gosto amargo de seu próprio sangue ainda queimava em sua boca, e a sensação de algo perfurando seu peito permanecia como uma cicatriz na memória.

Charlotte piscou, atordoada. Seus pensamentos estavam emaranhados. Sentou-se, trazendo os joelhos ao peito, tentando estabilizar a respiração. Desceu a mão até a altura do coração, puxando a blusa para examinar o estrago. Esperava ver um buraco, mas encontrou apenas uma fina cicatriz que provavelmente desapareceria em breve. Mas o pior ainda não era isso. Onde ela estava?

Levantando-se, seus olhos percorreram o ambiente ao redor. O cheiro pungente de enxofre trouxe lembranças dolorosas. O céu escuro parecia confirmar o que já sabia: inferno. Charlotte Matthews estava de volta ao lugar que se tornara sua verdadeira casa. Ainda assim, algo parecia estranho. Cada ser vivo possuía um inferno pessoal, e aquele lugar era muito diferente do último que visitara. Pilares solitários erguiam-se do chão, serpentes se enroscavam neles como adornos. O ar era pesado e quente, mas havia uma aura de abandono. Palácios esquecidos como aquele pertenciam apenas aos demônios maiores.

— Lilith — murmurou a vampira, enquanto passava a mão pelo cabelo.

— Quando um filho meu morre, ele retorna aos meus braços... — A voz grave ressoou, seguida de um bater de asas, e uma ventania tomou conta do ambiente. Charlotte protegeu o rosto da luz cegante que descia do céu. — Bem-vinda ao meu reino, Charlotte Matthews.

Charlotte abaixou o braço, encontrando um altar cercado por rosas negras e serpentes. Sentada sobre ele, uma mulher de beleza arrebatadora a observava, com as pernas cruzadas e um olhar afiado.

— Esse é o seu reino? Acho que precisa contratar um decorador melhor, mãe — Charlotte olhou ao redor, vendo um sorrisinho se formar nos lábios de Lilith. — Então é aqui que vou passar minha eternidade?

— Estive pensando nas vantagens de ter você por aqui — Lilith tocou o queixo com os dedos longos. Charlotte bufou, ousada, avançando alguns passos.

— Seria uma honra, mas tenho que voltar lá para cima. Minha namorada deve estar preocupada, e tenho um certo vampiro filho da puta, com todo o respeito, para matar — Charlotte disparou as palavras, fazendo Lilith gargalhar. As serpentes pareciam acompanhá-la com seus sibilos.