Piloto

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"Laura estava sentada no banco do parque, o sol já começando a se pôr no horizonte, tingindo o céu de tons laranja e rosa. Folheava um livro, mas sua mente estava longe, perdida nos últimos acontecimentos. Foi quando sentiu uma presença ao seu lado. Um homem se sentou no mesmo banco, silencioso, mas perto o suficiente para que ela percebesse seu perfume amadeirado"

TRIMMM – Sou interrompida pelo toque do meu celular.

  E se o mundo fosse como os livros? Às vezes me pego pensando nisso, enquanto escrevo outro capítulo de um romance que ninguém vai ler. O drama, a emoção... no papel é tudo tão fácil. A realidade? Bem, é só mais um dia correndo para pegar o trem, atrasada como sempre. A "vida real" me chama — ou, como meu pai preferia dizer, "a vida de verdade". Porque, sabe como é, sonhar em ser escritora famosa não paga as contas.

O trem? Meu velho conhecido. Já se passaram cinco anos dessa rotina. O destino? StarLuz, o barzinho que de luz só tem o nome, porque, sinceramente, minha vida continua na escuridão. Ok, um pouco dramático, mas convenhamos, trabalhar de garçonete enquanto o mundo espera que eu seja produtiva e feliz não é bem o que eu chamo de "luz no fim do túnel". Quem sabe um dia eu seja famosa, né?

Em meio aos devaneios, Rafa, o cobrador do trem, me desperta. Aquele velhinho é praticamente o espírito da condução: sempre no mesmo horário, sempre com aquele sorriso que diz "sou feliz mesmo preso nesse ciclo eterno". Será que vou acabar assim? Presa num loop infinito de trem, bar e clientes bêbados? Uma existência que se repete? Deus me livre.

Desço do trem e, claro, está chovendo. Porque se tem uma coisa que essa cidade sabe fazer, é chover quando você está atrasada pela segunda vez na semana. Corro até o StarLuz e, assim que entro, sou recebida pelo olhar impaciente do Sr. Louis, o chefe que deve ter vendido a alma pra ser tão insuportável.

— Sorte sua que começou a chover. Mais um atraso e está na rua! — ele dispara, sem sequer disfarçar o desdém.

Eu dou aquele sorriso automático de quem já está acostumada a ouvir esse tipo de ameaça.

— Claro, Sr. Louis, não vai acontecer de novo.

— Melhor que não aconteça. Hoje, você e o Enrico vão cuidar do salão.

Arrume as mesas, abrimos em 10 minutos. — E sai, deixando o peso da notícia.

*Enrico*, claro. Porque, se já não fosse ruim o suficiente estar aqui, trabalhar com o galã da vida real torna tudo ainda mais "divertido". Ele é como um personagem de filme adolescente: o cara alto, tatuado, sarado, com aquele sorriso que faz qualquer garota se derreter. Menos eu, claro. Sou imune. Imune... né?

Enquanto eu arrumo as mesas, sinto a presença dele antes mesmo de ouvir sua voz. E lá vem.

— Lilian? Tá perdida no mundo de novo? — Ele fala, com aquele tom de quem sempre acha que tem algo engraçado pra dizer.

Viro-me lentamente, porque já sei o que vou encontrar: aquele sorriso maroto e braços musculosos cruzados. Admito, são braços chamativos... mas vamos manter o foco.

— Tô. E se continuar me distraindo, vou me perder mais ainda. Temos muito trabalho. Ou você acha que essas mesas vão se arrumar sozinhas? — Respondo, enquanto tento ignorar o charme dele.

— Lili, tá bravinha? — Ele pergunta, com aquele apelido que eu finjo odiar.

— Brava? Eu? Jamais. Só esperando o momento em que você vai parar de flertar com o bar inteiro e começar a trabalhar. — Digo, colocando as cadeiras no lugar e torcendo para ele não perceber o sarcasmo que transborda da minha fala.

Enrico ri, claro. Porque ele ri de tudo. Isso deve ser exaustivo. Como ele consegue? Não sei. Talvez seja o ego gigante que o mantém alimentado.
A noite começa, e o bar lota. Enrico faz o que sabe fazer de melhor: ser o centro das atenções. Ele distribui sorrisos, flertes, números de telefone... é praticamente um robô programado para isso. As mulheres? Babam. Eu? Finjo que não vejo, mas é difícil não notar o show.

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