01

69 19 61
                                    

A primavera nunca tinha sido tão cinza para mim. Enquanto o caminhão de mudança passava por uma rua cercada de cerejeiras carregadas de flores, eu me esforçava para manter minhas lágrimas presas dentro de mim.

Por que as coisas aconteceram dessa forma?

Encostei a cabeça no vidro da janela, fechando os olhos para não ver as pessoas se divertindo do lado de fora, não queria sentir inveja delas por estarem aproveitando um dia lindo enquanto eu desmoronava por dentro. Ao meu redor, o silêncio imperava. Até chegarmos em nossa nova casa, ninguém mais disse uma única palavra. Nem minha mãe, que dirigia o caminhão alugado com a nossa mudança, nem Jungwon, meu irmão gêmeo, que estava sentado ao meu lado com seus fones no ouvido, que diziam claramente que ele não queria ser incomodado.

Ao chegarmos, a dona da casa assobradada, que aparentava ter por volta de sessenta anos, saiu para nos receber e entregar a chave. Ela morava na parte de baixo, e nós ficaríamos no andar de cima da construção. Por sorte, o aluguel não seria tão caro, estávamos bem longe da capital, foram quase quatro horas de carro para chegar até aqui.

Mokpo.

A cidade litorânea não era grande e nem badalada como Seul, mas a oportunidade de virmos morar aqui apareceu em uma boa hora. Se é que eu podia dizer que havia algo bom nisso tudo.

Corri pelos becos do bairro residencial, não sabia para onde estava indo, nem conhecia nada ali, mas precisava ficar sozinha. Ninguém veio atrás de mim; eu fiquei feliz por isso, na verdade. Me agachei no primeiro canto isolado que encontrei, ao lado das latas de lixo do bairro, e finalmente permiti minhas lágrimas rolarem. Passei os braços ao redor dos joelhos, pressionando o rosto contra minhas pernas na tentativa de abafar qualquer soluço que pudesse soltar. E fiquei ali, chorando até me esvaziar de todas as lágrimas.

Fui idiota em pensar que tinha tudo sob controle. Pensei que se aguentasse firme e trabalhasse duro, meu sonho de debutar estaria garantido. E estava, praticamente. Eu estudava em uma escola para idols e treinava o resto do dia com minhas companheiras de empresa. Eu estava indo bem, seria a vocalista principal do grupo, mas nunca parava de treinar, porque queria ser a melhor da nossa geração. Mesmo quando o nosso produtor me maltratava, eu seguia em frente, com a motivação de que nosso grupo seria debutado no próximo ano.

Quer dizer, o grupo delas. Eu não faço mais parte.

Senti meu celular vibrar no bolso da calça, e isso foi o suficiente para despertar os meus piores pensamentos. Tive que desativar todas as minhas redes sociais quando o escândalo veio à tona. Muitas pessoas falaram coisas horríveis sobre mim, mesmo quando eu sabia que quem estava vivendo no inferno era eu.

As coisas começaram com alguns sinais pequenos, o produtor queria que eu perdesse peso para a estreia, e se ofereceu para me ajudar nos treinos. Se eu soubesse que aquele era o primeiro indício de que algo estava muito errado, eu não teria aceitado. Logo em seguida vieram os comentários maldosos. Ele dizia o tempo inteiro que eu tinha que emagrecer mais, que ninguém seria meu fã enquanto fosse daquele jeito. O mais curioso era que, ao mesmo tempo que dizia esse tipo de coisa, ele falava que era o único que gostava de mim como eu era.

Não demorou muito para mais abusos começarem. Eu era obrigada a chegar na academia da empresa de manhã e só podia sair à noite, para ir aos treinos vocais que viravam a madrugada. Eu nem frequentava mais as aulas na escola praticamente. Aquele monstro dizia coisas sujas no meu ouvido, me fazia sentir horrível e passava as mãos em mim enquanto eu me exercitava.

E eu aguentei firme o quanto pude, porque ele me ameaçava; se eu contasse uma vírgula sequer para alguém, poderia dar adeus ao meu debut. Se soubesse que acabaria assim, teria contado tudo antes, não perderia toda a minha esperança nas pessoas e a fé de um futuro melhor para a minha família.

Respirator | Kim SeungminOnde histórias criam vida. Descubra agora