O Anúncio - Parte III

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Abriu os olhos lentamente, não reconheceu o quarto onde acordava.

Era um cômodo pequeno mas completo, havia um armário com algumas poucas roupas, uma cama de solteiro, um móvel de cabeceira e uma escrivaninha. No banheiro, havia uma banheira, um vaso sanitário, uma pia e um espelho .

Se aproximou do espelho do banheiro, era uma sensação estranha, uma inequação.

A Dafne real sabia que haviam mudanças em curso e, quando olhava para seu reflexo, a mesma imagem que a acompanhava desde os tempos de inocência, parecia não se identificar mais com aquilo.

O leve inchaço em seu lábio inferior parecia tornar o reflexo do espelho mais frágil. No entanto, o sentimento era de renovação, iniciada em uma filosofia de libertação, por mais contraditória que parecesse.

Seu rosto claro como neve não tinha nenhuma marca de tapas, notou com um curioso desapontamento.

Vestia uma roupa simples, camiseta branca e calça preta de moletom, as roupas debaixo eram as suas.

Tentou se lembrar de mais detalhes, mas depois do sétimo tapa e do beijo, só havia um borrão em sua memória.

Na escrivaninha, um contrato em seu nome, com todos seus dados, abriu a gaveta e encontrou sua carteira e documentos.
Haviam algumas linhas onde Dafne deveria indicar práticas que ela não gostaria de ser submetida.

Correu os olhos pelo contrato, era muito bem escrito, muito detalhado.
Quando leu a palavra "Estátua" esboçou um sorriso.

Essa palavra aterrorizou sua infância. Era o nome de uma brincadeira que consistia em ficar parado cada vez que outra criança gritava "Estátua". Ingênua, constantemente os meninos mais velhos se aproveitavam dessa brincadeira a para tocá-la de maneira inapropriada, quando não obedecia, apanhava.

Achou graça por ter escolhido justo aquela palavra de segurança. Aquela que havia sido usada para limitar sua liberdade, submetê-la a agressões e toques inadequados era agora seu refúgio caso se sentisse violada.

Mas quando se imaginou usando a palavra, percebeu que a mudança era ainda mais profunda. Percebeu que, enquanto pudesse, não a usaria. Queria experimentar mais daquela sensação de submissão.

A porta se abre e Emma entra com um pouco de comida. Frutas frescas, um copo de suco, queijo e algumas torradas.

- Vejo que encontrou seu contrato. O que achou?
Gostaria de modificar algo.

Dafne sorriu ao vê-la.
Não, parece bom assim.

Emma correu os olhos pelo documento, sorriu e sentou-se ao lado da jovem.

- É bom tê-la aqui! - disse a mulher mais velha - Sua iniciação será amanhã, hoje a sua única tarefa é rever e assinar o contrato. Pensei que talvez você estaria interessada em dar uma volta pela cidade, o que acha?

A jovem pareceu confusa.

- Nós podemos sair dessa casa? - numa voz mais baixa.

- Mas é claro, Dafne! - gargalhou Emma - Somos livres! Como poderíamos romper com as amarras morais que a sociedade nos impõe sem sermos livres?

Dafne sentiu-se boba por ter perguntado aquilo. Enquanto acompanhava Emma até a porta, passou em frente ao espelho do armário e, mais uma vez, não se reconheceu no reflexo.

- Emma - disse num ímpeto - Eu... Eu gostaria de mudar minha aparência.

Emma acolheu aquele pedido com um sorriso.

- Ótima ideia! Eu conheço um lugar perfeito! - disse enquanto saia do quarto.

- Além do mais, você precisa de roupas novas.

O centro comercial não era tão longe, assim que chegaram, foram primeiro a um salão de beleza. Enquanto Emma tinha as unhas pintadas com um esmalte cor de vinho, Dafne tinha seus cabelos descoloridos.

Conforme as mudanças aconteciam em seu cabelo, a jovem sentia-se mais confortável, até mesmo seu olhar parecia outro, mais maduro, seguro e dono de si.

A segunda parada foi em uma loja de roupas, sempre foi incrivelmente fácil encontrar roupas para Dafne e naquela tarde não foi diferente.

No provador, as roupas pareciam sob medida. Emma vibrava a cada combinação, foram duas sacolas de roupa sem que nenhuma ficasse ruim.

Enquanto vestia a última peça, um vestido tomara que caia lilás, Dafne notou certa tensão em Emma. Ficou em silêncio observando a amiga que, fechou os olhos e iniciou uma respiração profunda.

Imediatamente após isso, ouviram passos pelo corredor para onde davam as portas dos provadores, um perfume com notas de carvalho e canela impregnou o ambiente, houve um barulho na porta do provador ao lado.

Sem uma única palavra, Emma colocou as sacolas no chão, abriu a porta e espiou, observando o caminho por onde o homem veio. Dafne ficou exposta com os seios nus, mas não havia ninguém no corredor.

Rapidamente, Emma abandonou o provador, encostando a porta atrás de si, Dafne, assustada, trancou a porta encostada, e tentou entender o que acontecia.

Seguiu a sombra da amiga por baixo da divisória do provador, inesperadamente, ela se movia não para a entrada do corredor, mas para o lado oposto.

A porta do provador ao lado não estava trancada, quando Emma adentrou.
Curiosa, Dafne encostou a orelha na divisória, não houve nenhuma conversa.

De repente, sentiu um tranco, como se algo batesse na superfície na qual estava encostava. Ouviu, então, ruídos úmidos, ao olhar para cima, viu uma mão feminina segurando o limite da divisória com força, logo veio a outra mão, ambas com unhas cor de vinho.

Os ruídos aumentaram a intensidade, mas não o volume. Dafne arriscou se abaixar para entender melhor o que acontecia, viu um par de pernas masculinas com a calça e roupa de baixo arriadas, não havia sinal das pernas da mulher.

A sombra projetada no chão era de um vai-e-vem inconfundível, o movimento começou suave mas, logo, era brusco, decidido e forte, muito forte.

Dafne sentia-se confusa, aquela situação em público ao mesmo tempo lhe causava medo e tesão, arriscou mais uma espiada por baixo da divisória e, quando um par de pés femininos pousaram simultaneamente centímetros a sua frente, assustando-a. Caiu deitada pra trás sujando a vestido que ainda nem havia comprado. Uma fração de segundo antes de levantar, teve a impressão de ver uma bunda tatuada se abaixar entre os tornozelos.

O susto do tombo aproximou mais a experiência de algo assustador do que prazeroso, Dafne instintivamente deu alguns passos pra trás, encostando-se na divisória oposta aquele em que o casal estava.

Cogitou sair escondida, mas não teve tempo de agir, a porta ao lado se abriu e a sombra no chão passou por seu provador, a caminho da saída, arrastando com ele o cheiro forte amadeirado.

Depois, seguiu outra sombra, menor, mais lenta, abriu sua porta, olhou para Dafne com um riso tímido, e a beijou sem dizer nada.

Quando se entregou ao beijo, abrindo a boca lentamente, sentiu um caldo grosso escorrer da  boca de Emma para a sua. Tentou afastar a boca para cuspir, mas a outra mulher segurava forte sua nuca, protestou com um gemido dolorido quando a parte inchada de seu lábio inferior ardeu, não durou dois segundos até que desistisse de lutar.

A líquido grosso, adocicado pela bala que Emma chupava, foi difícil de engolir. Por um momento, a jovem pensou que vomitaria.

Olhou emburrada para Emma, a amiga notou o descontentamento e perguntou:

- Primeira vez?

Dafne assumiu incomodada, não queria demostrar inexperiência, mas sentiu que não teria como justificar tanta resistência de outra forma.

- Sinto muito, eu não sabia.
- o rosto de Emma era carregado de arrependimento genuíno - Pensei que você pudesse gostar.

O caminho de volta pra casa foi silencioso, embora estivesse desapontada, Dafne conseguia entender a nova Emma.

A maioria de suas amigas já havia relatado essa experiência, algumas, inclusive, adoravam sentir o gosto de porra.

Diante dessa situação, achou importante deixar claro quais eram seus limites assim que pudesse, mesmo que isso significasse expor a sua inexperiência.

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