Capítulo 11 - O espelho de Greine (1)

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Antes de levar a xícara aos lábios, Sara ajeitou uma mecha de cabelo para trás da orelha. Seus fios estavam tão escuros quanto o café que bebia. Era impossível que seu pai, sentado do outro lado da mesa, suspeitasse que ela havia cometido uma infração besta na noite anterior.

Ainda recordava-se das batidas de seu coração ao subir as escadas de volta ao térreo. Foi como estar na cena furtiva de um filme de espionagem, com direito a uma subida de tensão quando a dona Helena percorreu a casa chamando seu nome para lhe oferecer um pratinho de bolo. Movendo-se na pontinha dos pés, conseguiu entrar no banheiro do segundo andar e ligar o chuveiro quente. A empregada, atraída pelo barulho da água, bateu na porta perguntando se era a Buarque quem estava ali, e, assim, Sara pôde dispensá-la para não achar que tinha fugido de casa.

Lembrava-se também do azul escorrendo pelo ralo do banheiro enquanto esfregava o cabelo intensamente. Cada traço de cor precisava desaparecer antes que seu pai e sua irmã retornassem para casa após o encerramento da festa ou caso viessem conferir como ela estava. Averiguando os fios várias vezes em frente ao espelho, passando a mão no cabelo para observar se a palma saía manchada, o processo de limpeza demorou uma eternidade. Ao menos, acabou antes de os convidados irem embora, de os muros do salão serem magicamente triturados em cascalhos, e de Alana e Camilo regressarem exaustos para casa.

Seu ato criminal da noite passada era um assunto resolvido. O que se mantinha pendente, no entanto, era o seu achado no porão. E a única pessoa, talvez, capaz de esclarecer o mistério daquele espelho bocejava de sono diante dela.

Sara segurou o impulso de fazer uma pergunta direta, preferindo uma abordagem casual.

— Não devia ter dormido um pouco mais? Está com uma cara horrível.

— Não preciso de mais horas de sono. Preciso é passar o dia sem ver o rosto de ninguém — disse ele, bebendo um gole de café, antes de suavizar o tom. — Exceto o seu e o da Alana, é claro.

— E do seu próprio ao se olhar no espelho — complementou Sara, sorrindo.

Não conseguia imaginar um mundo onde Camilo enjoaria das filhas. Ele era um pai grudento desde que nasceram, mimando-as sempre que possível. Se elas tinham um desejo, esforçava-se para realizá-lo. E se elas tinham alguma dúvida, empenhava-se para respondê-las, se possível.

— Por falar em espelho... não tem um guardado lá no porão?

Camilo interrompeu o movimento de sua xícara aos lábios e encarou a filha.

— Tem. Mas a moldura está quebrada, e o vidro, meio sujo. Se você quer um espelho novo, podemos comprar outro — disse ele, retomando o movimento.

— Não, tudo bem. Seria estranho ter um espelho que atravessa coisas no meu quarto.

Camilo apenas chegou a molhar a ponta da boca antes de baixar a caneca e pousá-la com força na mesa, quase derramando a bebida.

— Você fez o que estou pensando que fez? — questionou, com uma voz mais dura do que normalmente usava com a filha. — Sara! Eu avisei que não era para mexer naquele espelho!

A garota desviou o olhar, sentindo a culpa ruborizar o rosto.

— Desculpa. Eu me enfurnei no porão ontem à noite porque não aguentava sequer ouvir o barulho da festa. Eu só... queria checar uma espinha coçando no rosto. Não estava a fim de subir pro térreo. Aí usei o espelho.

Camilo soltou um suspiro pesado e esfregou as têmporas. Sara estava preparada para ouvir poucas e boas, até mesmo ser posta de castigo, mas não sem antes saciar sua curiosidade.

Sara [e] Alana (cancelada; em breve na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora