Alana não respondia. Do outro lado da porta, o silêncio imperava com indiferença. Talvez estivesse ignorando-a. Ou, quem sabe, já tivesse ido embora para o Centro de Alistamento, deixando-a trancada no quarto. Sara ponderou sobre isso, um clima de desespero começando a tomar conta daquele cômodo. Alana realmente havia prendido-a em seu próprio quarto? Era uma atitude drástica, sem dúvida. Mas Sara também estivera a um passo de uma decisão igualmente impetuosa minutos antes.
— Tenho que sair daqui... tenho que sair daqui — murmurou, sentindo o pânico subir a garganta.
Correu até a janela e olhou para o jardim seis metros abaixo. Saltar daquela altura era pedir para sair machucada ou até com uma perna quebrada. Direcionou os olhos para além do quintal, na esperança de vislumbrar alguma ajuda. Mas a serenidade bucólica de Lerofonte só lhe oferecia ruas desertas e silenciosas. Aguardou um minuto, dois, três... Nada.
Justo quando cogitava uma solução mais ousada, um carro conhecido dobrou a esquina e estacionou em frente à casa.
— Dona Helena! Dona Helena! — gritou assim que viu a senhorinha sair do carro, sem o habitual uniforme de empregada, já que hoje não era dia de faxina. — Aqui em cima. Aqui!
— Santa Salaris! O que foi, Sara? Aconteceu alguma coisa? — perguntou a vulgar, franzindo o cenho ao vê-la na janela.
— Estou trancada. Venha abrir a porta. Rápido. É urgente!
— Já estou indo.
Dona Helena atravessou o portãozinho de metal da propriedade e desapareceu sob a marquise da entrada. Sara suspirou aliviada. Não sabia o motivo da visita, mas nunca ficou tão feliz em vê-la. Talvez a deusa Shala, no fim das contas, concedesse pequenos milagres.
Ela voltou para perto da porta, e logo os passos apressados ecoaram pelo corredor.
— Menina, quem te trancou aí? — indagou a diarista do outro lado.
Sara torcia para que Alana tivesse deixado a chave na fechadura. Caso contrário demoraria algum tempo até a dona Helena buscar a chave mestra no andar debaixo. Felizmente, numa segunda gentileza de Shala, a porta se abriu com um leve clique, e Sara, finalmente livre de seu confinamento, jogou-se nos braços de sua salvadora.
— Dona Helena, obrigada! Sua vinda foi um presente divino.
— Mas o que aconteceu? — perguntou a diarista, desfazendo o abraço. — Eu não entendo. Por que você estava... — A pergunta ficou suspensa no ar quando os olhos dela notaram o que a jovem segurava na mão. — Isso... é uma peruca?
Sara não se dera ao trabalho de escondê-la. Estava focada demais em sair logo dali para ir atrás da irmã.
— Desculpa, dona Helena. Eu explico depois. Agora eu tenho que ir. — Recuperou sua bolsa que estava jogada no chão e voltou à saída do cômodo. — Por favor, não conte a ninguém sobre a peruca, está bem?
Sem esperar uma resposta, passou pela empregada de forma apressada em direção às escadas. Se corresse até a estação, talvez conseguisse embarcar no mesmo trem que a irmã.
— Você está indo se alistar, não está?
Sara travou a passada no topo dos degraus. Ao olhar para trás, viu a diarista se aproximando novamente, com algo mais a dizer.
— Eu vi você crescer dizendo ao mundo que se tornaria uma aurana. Também vi os fidalgos desprezarem ou sentirem pena deste seu sonho enquanto eu lhes servia comida e bebida. Eu... sou só uma vulgar. Uma diarista trabalhando para uma família fidalga. Mas consigo imaginar como deve ser ruim ter seus sonhos esmagados antes mesmo de tentar realizá-los.
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Sara [e] Alana (cancelada; em breve na Amazon)
FantasíaSINOPSE: Sara e Alana Buarque são irmãs gêmeas de uma família fidalga em Neriquia, onde as duas castas que compõem a sociedade são hereditárias e medidas pela quantidade de aura nos corpos. Mas enquanto Alana ostenta uma aura intensa que tinge seu c...