O frio na barriga retornou com força. Sara entrara naquela reunião preparada para lidar com respostas definitivas, ou mesmo com algum tipo de acordo, mas não com um teste surpresa. O que raios teria que fazer?
Durval debruçou-se sobre a mesinha de madeira que os separava, chamando atenção para uma caixinha de porcelana fechada. Ao retirar a tampa, usou o polegar e o indicador para pinçar algo lá de dentro. Era pequeno, vermelho, não, amarelo, tão amarelo quanto a cor das unhas de Durval. Só então Sara percebeu que o supremo segurava uma lumeia.
— Presumo que já tenha entendido o que precisa fazer — disse Durval.
— Eu... tenho que mudar a cor dela, não é? — deduziu a garota, assaltada por flashes de memória de uma brincadeira no Jardim de Infância. Desde então, nunca mais havia tocado em uma lumeia.
— Assim como o arauto, as lumeias também reagem ao contato com a aura. A diferença é que, no caso desta flor, é necessária uma quantidade muito menor, em comparação ao artefato. Por isso as crianças fidalgas conseguem alterar as pétalas assim que seus cabelos ganham cor. Logo, se você conseguir transformar essas pétalas amarelas em azuis, considerarei que tem alguma chance de sucesso no exame de alistamento.
Durval depositou a flor sobre a mesa, à espera da jovem.
Sara olhou para a lumeia como se nada mais em volta existisse. Era uma imagem paralizante, de descompassar o coração. Uma flor tão pequena, mas que se avolumava segundo a segundo em sua mente, provocando suor em sua testa. Precisava tocá-la, definir o rumo de sua vida. Lembrou-se, então, que não estava sozinha. Buscou os rostos do pai e da irmã, que a observavam com apreensão semelhante.
— Você consegue — sussurrou Alana, fazendo-a perceber a mão quente da irmã sobre a sua. O calor proporcionado por aquele toque e por aquelas palavras aliviou um pouco a tensão que dominava seu corpo.
Enfim, voltou os olhos para a flor. Lentamente, inspirou e expirou o ar pela boca. Lentamente, estendeu a mão direita em direção à mesa. Lentamente, aproximou seu dedo indicador para tocar uma das pétalas. E num gesto súbito, como o bote de uma cobra, agarrou a flor inteira, prendendo-a firmemente dentro do punho, acreditando que o maior contato com a pele aumentaria suas chances.
— E então? — disse Durval, que, assim como os demais, observavam apreensivos a mão fechada da garota.
Sara manteve a lumeia escondida, pois outro pensamento lhe viera à mente: talvez o tempo de contato com as pétalas também influenciasse o resultado. Então, quanto mais ela enrolasse, maiores seriam as chances de aprovação.
— Abra a mão, guria — pediu Durval, impaciente.
Sara apertava o punho de nervosismo. Tentou enxergar o pedacinho de alguma pétala nas brechas entre seus dedos, como garantia de que aquilo terminaria bem.
— Abra-a agora! — insistiu o supremo, adicionando rigor à voz.
Forçada pelo aurano amarelo, e também pela dor causada pela pressão dos dedos, Sara lentamente descerrou a mão até deixá-la espalmada. A lumeia, com as pétalas amassadas, descansava sobre a pele suada. O azul de seus olhos não encontrou o mesmo azul nas pétalas, somente o amarelo de Durval.
— Hm, é uma pena. — disse ele, com um tom de lamento que soou quase indiferente. — Parece que sua vida como maga será mesmo inviável.
Mais uma vez, Alana se manifestou quando Sara não conseguia.
— Não pode dar a ela mais tempo? Pode ser que aconteça daqui a alguns minutos. Talvez horas! Se o caso dela é especial, o resultado pode vir de forma inesperada.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Sara [e] Alana (cancelada; em breve na Amazon)
FantasySINOPSE: Sara e Alana Buarque são irmãs gêmeas de uma família fidalga em Neriquia, onde as duas castas que compõem a sociedade são hereditárias e medidas pela quantidade de aura nos corpos. Mas enquanto Alana ostenta uma aura intensa que tinge seu c...