Sara Buarque admirava o seu reflexo: Alana Buarque. Pele clara igual a da mãe, cabelos escuros e longos que deslizavam pelos ombros, olhos de um azul tão celeste quanto aquele que cobria as unhas dos pés e das mãos, exato um metro de altura, quatro anos de idade, o mesmo pijama branco com estampas de ursinho azulado.
As duas gêmeas se olhavam fixamente, separadas por uma moldura de madeira com quase a dimensão de uma porta. A moldura estava apoiada entre as duas camas do quarto, transformando a simples estrutura em um "espelho" improvisado.
Foi Alana quem propôs a brincadeira.
— É o "jogo do espelho" — anunciou, com um sorriso empolgado. Dissera ter brincado disso no Jardim de Infância, num dia que Sara havia faltado por estar de cama. — Tem que me imitar, e depois eu imito você.
A princípio, Sara se mostrou relutante à ideia. Queria descer logo para tomar o café da manhã, sentir o abraço caloroso do pai e rasgar a embalagem de seu presente de aniversário. No entanto, foi docemente convencida por uma caixa de bombom que Alana surrupiara da despensa ontem à noite. E só após terem saboreado — e disputado — seus bombons favoritos, é que deram início ao jogo do espelho. Sara pediu que Alana começasse imitando-a primeiro e, para convencer a irmã, ofereceu a ela o último bombom de doce de leite que havia sobrado.
Sara deu um pulinho. Alana, seu reflexo, deu um pulinho. Sara bateu palmas. Alana fez o mesmo. Sara cobriu o olho direito com a mão direita. Alana cobriu o olho esquerdo com a mão esquerda. Sara fez uma careta com os dentes à mostra. Alana explodiu em gargalhadas.
— Laaana! Não é pra rir! — reclamou a menina, franzindo o cenho — É pra você sorrir. Assim, ó!
Alana deu novo impulso à risada, curvando o corpo e abraçando a barriga. Sara voltou a esconder os dentes, comprimindo os lábios num biquinho.
— Para de rir! — protestou a criança, batendo o pé no chão.
— É que... tem... tem... — A irmã se esforçava para soltar as palavras em meio ao riso, até, enfim, completar a frase. — Tem chocolate no seu dente! — E desabou em mais uma gargalhada.
Sara passou a língua pelos dentes e constatou uma massinha grudada perto do canino. Incomodada, tirou o resíduo com o dedo e o engoliu. Em seguida, apontou para Alana, cuja risada aparentava estar minguando.
— Você também tem! — acusou.
— Mentirosa! Eu escovei os dentes antes de brincar.
Alana respirou fundo, como se quisesse apagar as chamas de um riso nos cantinhos dos lábios.
— Tá bem. Minha vez.
* * *
No dia 4.2 do mês de Safira, no calendário de Neriquia, as gêmeas Buarque comemoravam seu quinto aniversário. Como uma tradição para essa data, as meninas se empolgaram em fazer o jogo do espelho novamente, mas, dessa vez, após tomarem o café da manhã preparado pela dona Helena, a babá que cuidava delas desde o falecimento da mãe.
Usaram a mesma moldura de madeira, armazenada no porão de casa ao longo do ano inteiro e retirada de lá somente nesse dia para ser usada como "brinquedo". Foi o pai quem trouxera a moldura para o quarto, pois ele proibia as filhas de descerem ao andar subterrâneo sozinhas. O grande salão de pedra lá embaixo, usado como área de treino, e o porão anexado a ele não eram locais para as crianças zanzarem.
Posicionadas em cada lado da moldura, as gêmeas fingiram ser o reflexo da outra. Alana, com os pés descalços, começou a dar pulinhos, enquanto Sara, com suas pantufas azuis, replicava o movimento. Ambas tinham enfiado na cabeça que Alana era um centímetro mais alta, apesar das tentativas do pai e do pediatra em convencê-las de que mediam a mesmíssima altura.
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Sara [e] Alana (cancelada; em breve na Amazon)
FantasiSINOPSE: Sara e Alana Buarque são irmãs gêmeas de uma família fidalga em Neriquia, onde as duas castas que compõem a sociedade são hereditárias e medidas pela quantidade de aura nos corpos. Mas enquanto Alana ostenta uma aura intensa que tinge seu c...