Capítulo I: Foco

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Tentar perceber a dor é uma actividade inútil. Uma mistura de pânico e desespero se impõe num mero infante. As pernas estão decimadas, mas o corpo manda-lhe correr. A garganta sangrenta é posta a frente dos seus olhos, e ele,mesmo assim, grita com todas as forças possíveis. Mas o único som que é emitido pelo rapaz é o gargalho, com o seu próprio sangue escorrendo pelo pescoço.

 O queixo do menino é levantado suavemente por uma mão fria e metálica. É o agressor do menino que desviou a atenção do mesmo para este focar nele na forma mais carinhosa e serena possível.

 — Tu sabes que mereces, mas não sabes o porquê, se te serve de consolo, eu também não sei, tu e eu somos espectros opostos do mesmo espelho — diz-lhe o agressor. 

E as lágrimas começam a escorrer dos olhos vermelhos do agressor e a sua voz passa de monótona e grossa para um tom mais afinado e tremendo. Continua a desculpar-se de seus actos: 

— Eu não queria estar a fazer isto, eu sei que tu sentes o que eu sinto. Eu sei que do teu ponto de vista isto é uma barbaridade injustificada, mas, acredita, a parte que mais dói é que nada disto foi ao calhas, existe um grau de propósito para isto tudo. O que fizemos, Jalson? Qual é o nosso lugar e significado no palco universal que explique isto? Jalson, estou a falar contigo! 

O agressor, apesar de interrogá-lo nada de suas acções era indicativo da tentativa de um diálogo. Jalson era nada mais e nada menos que uma espécie de instrumento. O agressor destruiu-lhe as pernas, arrancou-lhe a garganta, mas não se atreveu a tocar-lhe nos ouvidos e nos olhos, por que será? Seria ele uma espécie de câmara e microfone em carne? Ambos iguais mas opostos? A tortura física não basta para este homem sádico, ele sente a necessidade de igualmente angustiar-lhe mentalmente. 

Jalson na verdade só queria morrer, contudo parecia que ele estava incapacitado para tal. Mesmo com todos os danos que lhe foram causados a morte parecia nada mais que um boato para ele, as sensações pareciam uma realidade permanente do seu ponto de vista e não naturalmente efémeras como ele aprendera.

 Depois de um tempo, o agressor começou a esvanecer paulatinamente, a sua imagem ficava embaçada como passar de cada momento até que finalmente ele desapareceu. Algo peculiar aconteceu depois dele ter partido, tudo à volta de Jalson ficou mais nítido. Antes estava numa sala uniformemente preta, o tecto, o chão e a parede absolutamente pretos, mas o ar à sua volta estava repleto de pequenas partículas vermelhas, cintilantes e abundantes. Porém Jalson não conseguia respirar aquele ar, era como se não tivesse pulmões, tudo o que ele poderia fazer era olhar e ouvir tudo ao seu redor. 

Passado algum tempo, um outro evento estranho aconteceu. O seu redor começou a esvanecer tal qual o agressor, só que num ritmo muito mais rápido e no fim tudo mudou. 

— Quando é que isto acaba? — Reclamou Jalson.

 Um som de uma buzina assusta-lhe, ah, sim, o semáforo está verde há um tempo. Jalson conseguia sentir o ar de animosidade ao seu redor, o ódio era quase que palpável,e, embaraçado, prosseguiu com a sua viagem. O destino da sua viagem era o serviço, porém é preocupante que ele tenha esse tipo de pensamento durante o seu percurso, mas enfim, o que somos nós para além de escravos das nossas mentes e peões físicos das nossas convicções?

A Busca: Um Gênio PerdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora