Um Lugar Seguro • Medusa

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Uma melodia suave ecoava através do silencioso bosque, convidando suas criaturas a se aproximarem. Medusa espreitava, escondida atrás das árvores, alerta. O som da voz era adocicado, atraente, como o néctar da dioneia. Porém, sabia que não podia confiar nas doces canções. Humanos eram traiçoeiros, assim como os deuses.

Há muitos e muitos anos atrás, ela era uma garota ingênua que acreditava na bondade. Medusa pagou o preço por tal erro. Seria essa melodia mais uma provação? Já não teria pago o suficiente? Provavelmente não, pois, para os deuses, não havia perdão. O castigo seria eterno.

Quando Atena a transformou, dissera que ser uma górgona era uma forma de proteção, que nenhum homem tocaria nela novamente. Num primeiro momento, Medusa acreditou. Mesmo após ser mandada embora do templo e largada à própria sorte. Continuou fazendo seus rituais para sua deusa.

Como era tola.

Ao acordar na sua segunda vida, Medusa entendeu que havia sido castigada. Os poderes de górgona não significavam proteção, mas ser um alvo eterno, um monstro a ser eliminado. Logo, percebeu que sua punição não acabara com a morte. Uma vida de sofrimento não era o bastante.

Os heróis voltaram a caça-la no seu novo esconderijo, aventurando-se em busca de seus poderes. Seu cemitério de esculturas nunca fora o suficiente para amedrontar os invasores. A cada ano, novas estátuas eram adicionadas, pois a promessa da glória era mais importante do que o medo

Toda vez que um novo invasor aparecia, Medusa sentia um medo avassalador. Temia que, assim como ela, ele também tivesse reencarnado. Um dia, o próximo herói seria Perseu.

O confronto, ainda, estava fresco em sua memória. Lembrava do medo, do gosto salgado das lágrimas. O mais marcante, porém, era a dor da traição. Perseu carregava o símbolo de Atena em seu escudo polido. Por que Atena faria isso com ela? Perguntou-se tantas vezes, mas a resposta era amarga. A deusa estava punindo ela por ter profanado seu templo, por ter sido violada nele.

Para sua surpresa, Medusa acordou onde havia morrido. Por um instante, achou que aquilo tinha sido um terrível pesadelo, mas a cicatriz em seu pescoço era prova do ocorrido. Não sabia como nem porque reviveu, mas não esperou para descobrir. Fugiu para a floresta, correu e correu até suas pernas não aguentarem mais. Passou por densas matas, por vales e montanhas até encontrar uma passagem entre as formações rochosas que escondiam um lugar secreto. Foi somente neste momento que ela desabou. Suas lágrimas regaram as gramíneas, dando vida a uma hera. A trepadeira, ao longo dos anos, cresceu e fechou a entrada de seu novo lar.

A solidão era grande, mas era mais segura do que a companhia traiçoeira. Os que encontraram seu jardim secreto, arrependeram-se amargamente. As estátuas perto da entrada eram um aviso silencioso para que ninguém se atrevesse a invadir seu território. Todavia, a história se repetia e ela sabia que o dia que Atena mandaria um novo herói para matá-la viria mais cedo ou mais tarde. Os castigos dos deuses eram eternos, assim como o seu sofrimento.

Medusa vivia uma tranquilidade intranquila. Se ela reencarnou, ele também poderia. Aguardava, vigilante, pronta para escapar caso ele voltasse. Nos seus pesadelos, ele cortava sua cabeça, mesmo que implorasse por sua vida. Conseguia ouvir as risadas dos deuses e ver a repulsa nos olhos de Atena. Acordava em prantos, suada e trêmula. Ninguém para consolá-la, a não ser suas serpentes que conseguiam sentir sua dor. Às vezes, ansiava por mais, sonhava com alguém para dividir suas tragédias, para confortá-la. No entanto, quem teria pena de um monstro?

Era horripilante aos olhos humanos, tão monstruosa que eles se tornavam pedra com apenas um olhar. Ninguém ousava pisar em seu território por qualquer motivo benevolente. Por isso, não havia outra opção, aquele som a levava a uma armadilha. Todavia, desta vez ela estava preparada, carregava consigo uma faca, pronta para se defender caso necessário. Não poderia contar apenas com seus poderes como da última vez.

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⏰ Última atualização: Nov 17 ⏰

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