Temporal

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"Me deixa sem abrigo... Me devora sem saber"

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— Oferecemos para esses meninos e para essas meninas também uma segunda chance — dizia Olga, a diretora do orfanato, enquanto caminhava vagarosamente ao lado de Verônica — Mas isso só é possível graças à generosidade dos doadores... como a senhora.

Verônica estava disfarçada. Vestia um vestido preto justo, sem decote, um salto pequeno, e carregava uma bolsa média pendurada no antebraço. Usava óculos escuros e uma maquiagem leve, e seu cabelo, normalmente uma loucura de ondas rebeldes, estava completamente liso. Passava perfeitamente pelo perfil de uma dondoca, alguém rica e interessada em fazer uma "boa ação" para o orfanato. Esse era o plano para entrar ali sem levantar suspeitas. O que ela não imaginava era que a missão mais árdua seria caminhar naquele salto com aquele vestido amarrando suas pernas a cada passo.

— Aqui, trabalhamos com um método de educação militar — continuava Olga, gesticulando com orgulho. — Ele traz um senso de disciplina e ordem para esses jovens.

Ao cruzarem o pátio, Verônica viu alguns jovens alinhados em uma espécie de treinamento militar. Ela instintivamente pegou o celular para registrar a cena, mas foi logo censurada.

— Desculpe, Dona Adriana, mas fotos não são permitidas. Para preservar a identidade dos nossos jovens, entende? — disse Olga, de forma cortês, mas firme.

— Claro — respondeu Verônica, forçando um sorriso, enquanto guardava o celular.

A visita seguiu, e Olga continuou apresentando os diversos setores do orfanato. Até que, finalmente, as duas se sentaram frente a frente na sala da diretora.

— Então, gostou do que viu? — perguntou Olga, servindo uma xícara de café para a mulher à sua frente.

— Fiquei muito impressionada. Tava comentando isso com meu sócio agora — respondeu Verônica, sustentando a pose de doadora interessada.

— Ah, que maravilha! — Olga disse animada. — Então posso contar com a senhora no nosso time de colaboradores? — Ela fez uma pausa, apontando para um quadro atrás de Verônica. — Ele é o nosso maior colaborador.

Verônica virou-se e deu de cara com a foto de Matias na parede do escritório. A visão daquele rosto reforçou ainda mais sua determinação. Ela voltou a encarar Olga com sorriso no rosto, disposta a extrair mais informações.

— São todos órfãos aqui? — perguntou Verônica, com um tom inocente.

— Nem todos — Olga respondeu, assumindo um semblante sério. — São jovens que precisam muito de ajuda, sabe, Dona Adriana? Jovens em situação de risco, que foram expostos à violência.

Nesse momento, três batidas secas na porta interromperam a diretora.

— A senhora me dá licença? — perguntou Olga, levantando-se para ir até a porta.

— Claro — Verônica respondeu enquanto bebericava o café que lhe fora oferecido.

Ao fundo, escutava Olga murmurando com alguém do lado de fora da porta, provavelmente um funcionário do orfanato. Era uma conversa baixa, quase uma discussão.

— A senhora me dá cinco minutinhos?— Olga pergunta em tom apressado se virando para Verônica

— Sem pressa — Respondeu Verônica, com um aceno casual de mão, sem sequer olhar para a diretora.

— Já volto! —  disse Olga, saindo rapidamente da sala e deixando Verônica sozinha.

Verônica suspirou aliviada, o plano havia dado certo. O sumiço repentino de Olga não era obra do acaso, fazia parte do plano arquitetado com Nelson, que criara uma distração no portão do orfanato, afastando a diretora por alguns minutos. Agora, sozinha, Verônica tinha que agir. Sem perder tempo, começou a vasculhar a sala, abrindo gavetas, verificando documentos em busca de qualquer pista.

Em Todos Seus Olhares - VeronitaOnde histórias criam vida. Descubra agora