A noite se estendia como um véu de seda, oscilando entre o surrealismo e a introspecção.As estrelas, mais próximas do que nunca, pareciam flutuar, iluminando o caminho com uma luz que tremeluzia. O mundo ao meu redor se tornava fino, translúcido. Em algum momento pude estender a mão e tocar o além.
Caminhando por essa noite vibrante, eu me sentia parte de um todo maior. Cada passo ecoava em um universo que apenas agora se revelava. A brisa trazia consigo sussurros de histórias antigas, lembranças de tempos que eu não vivi, mas que de algum modo conhecia. E então, quase sem perceber, eu a vi.
Ela apareceu entre a neblina da madrugada, quando o silêncio da cidade era interrompido apenas pelo farfalhar das árvores e o sussurro do vento. Seus passos, quase imperceptíveis, carregavam uma elegância que não pertencia ao mundo dos vivos, e quando seus olhos se cruzaram com os meus, foi como ser atravessado por uma lâmina fria e doce. Um choque de desejos reprimidos, medos ocultos e uma atração irresistível.
Ela estava ali, parada, olhando o céu, surpresa com a vivacidade do mundo - enxergando algo que poucos conseguem ver. Seus olhos brilhavam com a mesma luz etérea que preenchia a noite, um brilho que refletia tanto surpresa quanto familiaridade. Aproximamo-nos um do outro, guiados por uma força invisível, como se nossas almas se reconhecessem em um plano além do corpo.
"Você também sente?", perguntou, sabendo que minha resposta era sim antes mesmo que as palavras escapassem dos meus lábios. Ela sorriu, e naquele instante, estávamos conectados de uma forma profunda e inexplicável.
Seu perfume... uma mistura de jasmim e algo indecifrável, algo que evocava memórias de uma vida passada, reconhecida em meus ossos. Ela estava tão próxima que eu podia sentir a pulsação de seu ser, um fogo que queima, mas que não oferece calor. Era tanto carne quanto névoa, uma presença que se dissipava assim que tentava alcançá-la.
Ela não se demorava. Nunca o fazia. Havia sempre uma urgência em sua proximidade, como se o tempo ao seu redor não fluísse da mesma forma. Suas palavras, quando faladas, eram envoltas em um véu de mistério, mas não era o que dizia que me prendia, era o que ela deixava de dizer, os silêncios entre as sílabas, o que ela ocultava com cada sorriso.
Em seus dedos, um toque de eternidade. Ela corria suas mãos pelo meu rosto, não com carinho, mas com curiosidade, até parecia que eu era um segredo a ser desvendado. Meu corpo respondia de maneira involuntária, cada célula se acendendo com uma energia que eu não reconhecia como minha. Havia um magnetismo em seus gestos, uma promessa de prazer que eu sabia que não poderia possuir.
Ela sugeriu um momento de conexão profunda e inesperada. A dor e o prazer se fundiam naquela conexão. Não havia medo, apenas uma aceitação serena de que ambos faziam parte do ser. A dor não era mais um inimigo a ser combatido, mas um lembrete da intensidade da vida, da profundidade das emoções que nos moldam. Era um sinal de que estávamos vivos, de que sentíamos, e de que, nesse sentir, havia beleza.
A noite continuava a nos envolver, e a linha entre o físico e o espiritual se tornava cada vez mais tênue. O momento era fugaz, uma breve interseção entre mundos, mas ficaria comigo eternamente, gravado em minha alma. A dor, o prazer, a conexão - tudo isso era parte de algo maior, algo que transcendia o tempo e o espaço.
E naquele instante ela me levou ao clímax de tudo o que eu temia e desejava. Seu corpo envolto na escuridão, o quarto impregnado com seu aroma avassalador. Eu a sentia em toda parte, cada fibra do meu ser implorando por mais. E então, no exato momento em que senti que poderia finalmente tocá-la em sua totalidade, ela desapareceu, como sempre fazia. Um suspiro, um tremor no ar, e ela não estava mais lá.
Enquanto as estrelas começavam a se afastar, e o mundo voltava lentamente à sua densidade usual, eu a vi se dissolver na noite, tornando-se uma com aquele véu de seda que agora parecia mais espesso. Fiquei sozinho, perdido, despido de qualquer certeza. A sensação era devastadora e, ao mesmo tempo, reveladora. Ela me dera algo mais profundo do que prazer - uma consciência nova de minha própria transitoriedade.
Sua marca... essa era indelével. Um fantasma que se agarrava à minha pele, ao meu espírito. Mesmo agora, sinto seu perfume no ar ao meu redor, seu toque em meus sonhos. Ela era um convite ao desconhecido, à entrega total, mas sem jamais prometer nada além do agora. Um eco de liberdade que me fascinava e aterrorizava.
Ao partir, ela me deixou com uma verdade desconcertante: nada no mundo dura, nem amor, nem desejo, nem dor. Tudo é efêmero, inclusive ela. Mas também me sentia completo, sabendo que havia experimentado algo raro e precioso.
Nunca perguntei seu nome. Não porque não quisesse saber, mas porque sabia, no fundo, que ela não tinha nome. Ela era a personificação de algo maior, algo que nenhum nome poderia conter: a liberdade absoluta, a beleza intocada, o desejo sem amarras. E eu, apenas um homem, perdido na correnteza de sua passagem, a chamei de Haluve.
E o mundo que me parecia ser tão físico, naquele momento, se revelou como apenas uma pequena parte de uma realidade muito mais vasta. Uma realidade onde a dor e o prazer, o físico e o espiritual, se encontram e se entrelaçam, criando uma tapeçaria de experiências que, quando permitida, pode nos transformar para sempre.
Haluve nunca voltaria, eu sabia disso. Mas também sabia que, de alguma forma, ela nunca havia realmente partido.