Prologo

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Naquele triste dia chuvoso, o mundo parecia querer se vingar dos dias ensolarados na extensão praiana. As nuvens estavam carregadas e escuras, como se o céu quisesse engolir a luz do sol para esconder a dor que invadia a casa de Saphira. O som da chuva era incessante, batendo com força nas janelas, como se quisesse acordar os corações daqueles que, apesar da tempestade, ainda não conseguiam entender o que estava acontecendo. O ar estava denso, pesado, e o vento parecia uivar em lamentos pela ausência que ninguém queria aceitar. Cada gota que caía parecia simbolizar uma lágrima, uma perda. A chuva não parava, e o mundo parecia seguir o ritmo das emoções de quem estava dentro daquela casa: quebrado, irreparável, perdido.

Saphira, com seus nove anos, estava sentada no sofá da sala, os olhos fixos no cinza que dominava o horizonte. Seus dedos brincavam nervosamente com as pontas de seu vestido, mas sua mente estava em outro lugar - distante, em um lugar onde a dor não existia. Ela sentia uma saudade imensa de sua irmã mais velha, Ruby, que parecia estar em algum lugar muito distante, onde nem o amor de Saphira podia alcançá-la. As tardes que passavam juntas, os risos compartilhados, os segredos que só elas entendiam, tudo parecia agora um sonho que se dissipava nas brumas da dor. Sua mente infantil não compreendia a ideia de "ausência definitiva". Mesmo com o coração apertado e o olhar vazio, ela ainda se perguntava, como se fosse possível acreditar em um mundo onde tudo fosse apenas um pesadelo: "Ela vai voltar logo, não vai, mamãe? Ela só foi viajar, não é?"

A mãe de Saphira estava ao seu lado, com os olhos cansados e ainda inchados de tanto chorar, tentando reunir forças para lidar com uma explicação que não fazia sentido, algo que não deveria estar acontecendo. O pai, mais distante, parecia perdido em seus próprios pensamentos. Seu olhar vazio, a testa marcada pelas rugas do luto e a postura curvada pela dor, estavam ali, mas ele estava tão longe, num lugar onde o próprio tempo se negava a seguir. A perda dele era visível em cada gesto, em cada suspiro. Foi ele quem falou primeiro, sua voz rouca, embargada, como se as palavras fossem um peso insuportável. "Não, filha... sua irmã não vai voltar. Ela não está mais entre nós."

Saphira olhou para ele, os olhos brilhando com a incredulidade de uma criança que não entende que o que ama não pode ser devolvido. "Mas ela vai voltar, eu sei. Ela só precisa de um tempo, ela vai voltar, papai." Ela apertou as mãos dele com força, como se tentando arrancar dele uma palavra, um consolo que dissesse que tudo aquilo não passava de um pesadelo do qual ela acordaria. O pai olhou para ela com um olhar triste, marcado pela dor que ele não sabia como esconder. Ele acariciou seus cabelos e, com um suspiro profundo, disse: "Infelizmente, não. Sua irmã já foi embora, Saphira. Não podemos trazê-la de volta. Ela está em paz agora."

A mãe, ao ver a reação da filha, se ajoelhou diante dela, com o coração dilacerado. Tentava, com palavras que mal compreendia, oferecer o pouco de consolo que ainda restava em seu peito. "Filha... sua irmã vai viver para sempre no seu coração. Ela está em um lugar tranquilo, onde não sente mais dor. E, um dia, você vai entender. A saudade vai te acompanhar, mas você vai aprender a conviver com ela."

Mas Saphira não conseguia aceitar, não conseguia entender. "Eu não quero sentir saudade, mamãe. Eu a quero de volta!" Sua voz, pequena e desesperada, ecoou pela casa, mas o silêncio que se seguiu foi ainda mais ensurdecedor. O luto não podia ser apressado, não podia ser compreendido por quem ainda era tão jovem. Ela não sabia o que era a perda permanente, não sabia como lidar com essa dor tão grande, e o tempo parecia mais cruel por não permitir que ela se curasse.

O dia da cerimônia chegou, e o céu, que continuava nublado, parecia compartilhar a tristeza dos que estavam ali, de luto. Saphira, vestida com um simples vestido branco, pálido, quase translúcido, foi levada pela mão dos pais até o local onde familiares e amigos se reuniram. O espaço, normalmente cheio de risos e conversas, estava agora tomado por um silêncio pesado, onde cada palavra parecia ser um peso insuportável. A atmosfera era densa, fria, como se a própria casa estivesse chorando, sem saber como acolher a dor que invadia o coração de todos. No altar improvisado, uma grande foto de Ruby, sorrindo radiante, estava em um quadro elegante. O sorriso dela parecia um lembrete cruel de que a felicidade dela já não existia mais. Saphira olhava para a foto, tentando encontrar algo nela que fizesse sentido, mas o rosto de sua irmã parecia tão distante, tão inalcançável. A imagem de Ruby sorrindo parecia uma mentira. Como alguém tão cheia de vida, tão luminosa, poderia simplesmente não existir mais? Saphira olhava fixamente para a fotografia, seus olhos marejados, tentando encontrar algo nela que dissipasse a nuvem de dor que pairava sobre ela.

Enquanto a cerimônia acontecia, Saphira segurava firme a mão de sua mãe, como se ela fosse a única âncora capaz de mantê-la ali, na realidade. Seus olhos estavam fixos na foto, não conseguia desviar o olhar, como se o simples ato de olhar para aquele sorriso fosse capaz de trazer Ruby de volta, como se o sorriso fosse a chave para desatar o nó apertado em seu peito. Mas o que ela sentia não era mais compreensão, nem a sensação de que tudo ficaria bem. Era uma pressão esmagadora, um peso imenso que parecia aumentar a cada segundo, sufocando sua alma.

O peso da despedida a esmagava. As palavras dos outros pareciam vazias, inatingíveis. Ela tentava entender, tentava encontrar conforto nas palavras de quem a cercava, mas tudo parecia sem sentido. "Ela não vai voltar. Ela não vai voltar..." Essas palavras se repetiam em sua mente, mas, ainda assim, uma parte de Saphira se recusava a aceitá-las. Ela sentia como se estivesse vivendo em uma realidade paralela, onde a dor não era sua, onde sua irmã ainda estava ali, e tudo o que acontecia ao seu redor não passava de uma grande mentira.

A foto de Ruby parecia uma lâmina afiada, uma lembrança cruel, um lembrete de que o sorriso que ela conhecia nunca mais iluminaria os dias de sua vida. "Nunca mais vou ouvir ela me chamar de 'Safi'... nunca mais vou ver ela correndo pelo quintal com aquele sorriso grande." Saphira não sabia como seguir sem Ruby, como viver sem ela, sem o brilho que Ruby sempre trouxe à sua vida.

O tempo, que parecia ter parado quando a notícia chegou, continuava a avançar lentamente. Mas, naquele dia, cercada pelo silêncio da cerimônia e pelo peso da ausência, Saphira finalmente entendia: o mundo não seria mais o mesmo. Ela, agora, teria que aprender a viver com a saudade, com a dor de uma perda que nunca seria superada, mas que ela teria que carregar no peito, em um silêncio doloroso e constante.

The Weight of GoodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora