[003] Fragmentos de um Guardião

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O campo de batalha estava tomado pela névoa e pelo silêncio dos mortos. Corpos dos soldados, perfurados pelas lanças do Guardião, estendiam-se por todos os lados. E, caminhando em meio ao cenário de destruição, Azahell surgiu, seus longos cabelos vermelhos esvoaçando, seu olhar perscrutador avaliando o ambiente com uma calma surpreendente.

Ao vê-la se aproximar, o Guardião, com sua imponente armadura, virou-se para ela, sua voz ecoou pelo campo, poderosa e grave.

— Finalmente você resolveu aparecer diante de mim.

— Então você percebeu... — Azahell ergueu as sobrancelhas, surpresa, mas seu sorriso logo retornou ao rosto.

Enquanto ela o observava das sombras, esperando o momento certo para se revelar, o Guardião também notara sua presença. Ele não tinha certeza se ela era uma covarde espreitando de longe ou apenas uma estrategista esperando o momento certo. Mas agora, ao vê-la ali, enfrentando-o cara a cara, percebeu que havia algo a mais nela, algo que o intrigava.

— Te observei à distância, sem saber se sua presença era fruto de medo ou astúcia. Agora vejo que é mais do que imaginava. Você é... diferente.

— Vejo que sou tão interessante para você quanto você é para mim, Guardião. — Ela deu um passo adiante, mantendo o sorriso — Mas não vim para lutar. Vim propor algo.

O Guardião a encarou, imóvel, mas claramente intrigado. A tensão pairava no ar enquanto ele a observava, avaliando cada palavra com cautela.

— Propostas dos humanos raramente valem o meu tempo. O que faz você pensar que é diferente?

— Porque eu conheço a verdade sobre você. Sei que está aqui para proteger este portal e impedir que os humanos o fechem. Mas me pergunto... já parou para refletir sobre por que foi criado para essa tarefa?

— Minhas razões não estão em questão, humana. Se veio lutar, venha. Se veio implorar por misericórdia, faça rápido.

Ela deu mais um passo à frente, seu olhar determinado.

— Talvez você devesse pensar no que eu estou dizendo. Você é o protetor de um reino em ruínas, preso a um propósito que foi imposto a você. Que tal, por um instante, abrir a mente e considerar: e se você pudesse explorar o mundo que protege com tanto afinco? Conhecê-lo com seus próprios olhos, experimentar algo além deste campo de batalha interminável...

A espada do Guardião oscilou levemente em sua mão. Ele parecia considerá-la, mas sua expressão era impassível.

— Humanos são criaturas volúveis. Falam em liberdade, mas agem sempre sob correntes invisíveis de ambição e desejo. Por que eu, um Guardião, seguiria o caminho instável de uma criatura como você?

— Porque, no fundo, sei que há uma parte sua que busca respostas. Quem realmente é o Guardião? Por que essa tarefa? Você tem uma alma que deseja mais, que não quer se limitar a uma muralha e uma espada. — Ela estendeu a mão, apontando para o horizonte — O mundo lá fora é vasto. Divida sua alma, Guardião. Envie fragmentos dela para viver entre os humanos, para ver e sentir com os olhos deles. E seu corpo, sua essência, ainda poderá continuar guardando o portal.

O Guardião ficou em silêncio, refletindo sobre a proposta. Por fim, abaixou a espada, mas seus olhos ainda eram céticos.

— Dividir minha alma... e o que sugere com isso? Como se eu fosse dispersar meu poder entre esses mortais?

— Exatamente. — Ela sorriu, avançando mais um passo — Você permaneceria aqui, inabalável. Mas sete fragmentos, pedaços de sua alma, experimentariam o mundo. E, ao final, todas as memórias retornariam ao Guardião, completas, com o conhecimento que poderiam obter apenas entre os humanos.

RAKUREN - Herdeiros do AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora