𝟎𝟐: 𝐒𝐡𝐚𝐝𝐨𝐰𝐬 𝐨𝐟 𝐭𝐡𝐞 𝐩𝐚𝐬𝐭

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Kael Miller~

Horas antes....

Estar em San Diego é como carregar um peso que nunca cede, um desconforto que se infiltra em cada fibra do meu ser. Esta é a cidade onde nasci e vivi até os 12 anos, mas também é o lugar onde meu mundo desabou. Cada rua, cada esquina, parece murmurar ecos do passado, histórias de vidas interrompidas, de sonhos despedaçados. Para mim, San Diego não é apenas um local no mapa; é uma ferida aberta, um lembrete incessante das cicatrizes e traumas que nunca se curaram.

Agora, encaro essas mesmas ruas pela janela do quarto que um dia pertenceu aos meus pais. Eu disse pertenceu. — No passado. Esse quarto, tão cheio de memórias, é também o cenário de uma das perdas mais dolorosas da minha vida: a morte da minha bela, porém egoísta mãe.

Como é o inferno, mãe? É reconfortante? É quente o suficiente para você? Porque suicidas não têm perdão. Suicidas não encontram lugar no céu.

Eu aperto os punhos, a dor se misturando à raiva enquanto revivo o passado

Mas sabe quem está lá, ao lado de Deus? Ryker. Meu irmão. Ele não teve culpa de nada. Nem você. Nem papai. Vocês morreram porque era o destino de vocês, porque a vida é cruel e nos faz perder pessoas importantes. Mas você, mãe... você não aceitou isso, aceitou? Você escolheu sair do jogo. Escolheu se destruir, nos destruir.

Eu desvio o olhar para o chão, sentindo o vazio familiar dentro de mim crescer

Você foi fraca, mãe. Você achou que se matar seria a solução. Achou que sua dor pela perda do Ryker justificava tudo. Mas sabe o que você esqueceu? Que ele também era importante para mim. Para o papai. Nós resistimos. Nós seguimos em frente, mesmo com o coração em pedaços. E você? Você desistiu.

A raiva volta a crescer, um calor em meu peito, a voz em minha mente quase gritando

Você foi egoísta. Achou que morrer te levaria até ele, mas você estava errada. Você abandonou tudo, nos deixou com a dor e os estilhaços da sua ausência. Espero que você esteja queimando, pagando pelos seus pecados. Porque o que você fez foi cruel, mãe. Cruel e covarde.

Eu solto um suspiro pesado, como se todo aquele peso estivesse apertando ainda mais meu peito

Você foi como uma formiga esmagada por algo maior do que podia suportar. Fraca, insignificante. Nós carregamos seu fardo, seguimos em frente, mas você... você se entregou à fraqueza.

Um silêncio amargo toma conta do quarto, eu desvio o olhar da janela, mas a dor permanece, cravada em minha alma. San Diego é minha prisão, e o passado é a cela da qual eu não consigo escapar.

Você estava neste quarto, naquele dia, naquela hora. Foi aqui, exatamente aqui, que você decidiu acabar com tudo, mãe. Ainda bem que, ao menos, teve o cuidado de não ser estúpida o suficiente para escolher o quarto do Ryker. Porque, se tivesse feito isso, eu juro, teria ido te buscar no inferno para te obrigar a limpar cada mancha daquele sangue dos seus pulsos cortados, cada rastro da sua covardia.

Você já não era mais você naquela época, não é? Não comia, não bebia, não vivia. Só chorava. Chorava o dia inteiro, como se isso fosse apagar o que aconteceu. Como se isso trouxesse o Ryker de volta. Eu ainda consigo ouvir a voz de uma das empregadas, contando o que viu naquele dia. Ela disse que passou o dia inteiro estranhando o silêncio, mas achou que você precisava de espaço. Até que decidiu checar se estava tudo bem.

Eu consigo imaginar a cena, como um pesadelo que nunca desaparece. Ela entrou neste quarto e encontrou você ali, pendurada por um lençol enrolado no pescoço, seus pés descalços balançando, frios, sem tocar o chão. A cadeira caída ao lado, tombada como se tivesse sido jogada com desprezo. Tudo isso sob o olhar silencioso das duas cartas sobre a mesa de vidro perto do armário, nossos nomes escritos a vermelho: Kael Miller e Orlando Miller.

𝐑𝐈𝐕𝐀𝐋 𝐋𝐎𝐕𝐄𝐑𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora