O Colecionador de Silêncios

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Na pequena aldeia do Limonete, havia um homem conhecido por todos, mas compreendido por ninguém. Chamava-se Henrique, e vivia numa casa perdida por entre as planícies, com paredes revestidas de hera e janelas que raramente se abriam. Diziam que ele tinha um dom, embora poucos o vissem como tal. Henrique colecionava silêncios.

O mistério começou quando, numa tarde de outono, Matilde, a florista, reparou que, ao falar com Henrique, as suas palavras pareciam desaparecer no ar. Não havia eco, nem o habitual burburinho de quem está ao redor. Era como se o som se perdesse antes de ser captado pelos ouvidos de qualquer um. A sensação era desconcertante, como se o silêncio se expandisse ao redor dele, absorvendo todas as tentativas de comunicação.

Curiosos, os habitantes da vila começaram a visitá-lo. Alguns iam por mera curiosidade, outros, por necessidade de algum tipo de resposta. O jovem Luís, por exemplo, foi procurar ajuda depois de uma discussão com o pai. Sentia que as palavras já não faziam sentido. Queria apenas um momento de paz. Quando saiu da casa de Henrique, os seus olhos estavam calmos, e a tempestade de sentimentos que trazia consigo tinha desaparecido.

A notícia espalhou-se. Henrique não só colecionava silêncios, como os oferecia a quem precisasse de um refúgio, um intervalo no caos das suas vidas.

Certo dia, uma mulher desconhecida chegou à vila. Vestida com um longo casaco azul, ela trazia uma expressão pesada, como se carregasse o peso do mundo nos ombros. Ninguém sabia quem ela era ou de onde vinha, mas o seu olhar parecia perdido, à procura de algo que nem ela mesma conseguia nomear.

Dirigiu-se à casa de Henrique. Lá, sentou-se diante dele, que a observava em silêncio. Não trocou uma palavra. Os minutos passaram, longos e pesados, enquanto o silêncio entre eles parecia ganhar forma, preenchendo o espaço. Quando a mulher finalmente se levantou para sair, deixou cair uma lágrima. Não de tristeza, mas de alívio.

Ao longo dos anos, Henrique continuou a sua tarefa silenciosa. As suas paredes, imaginavam os habitantes, deviam estar forradas de silêncios de todas as formas e tamanhos: o silêncio de uma dor antiga, o silêncio de um arrependimento guardado, o silêncio da paz que ninguém sabe como encontrar. Ele nunca pediu nada em troca. Apenas continuava a colecionar.

Até que, um dia, depois de vários anos passados, Henrique desapareceu. A casa ficou vazia, as janelas cerradas. Os curiosos tentaram entrar, mas encontraram apenas salas vazias, onde o eco das suas vozes parecia diferente, como se algo as segurasse antes de as devolver ao mundo.

Ninguém sabe para onde Henrique foi, mas o seu legado perdurou. A Aldeia do Limonete tornou-se, aos poucos, um lugar mais sereno, onde os habitantes aprenderam a apreciar o silêncio — não o vazio do som, mas o silêncio que acalma, que cura.

E, de alguma forma, todos sentiram que Henrique estava por perto, invisível, colecionando os pequenos silêncios que ainda restavam nas suas vidas.

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