A Estação Esquecida

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O relógio da estação marcava as vinte e duas e quarenta e sete. Os ponteiros enferrujados pareciam mover-se com dificuldade, enquanto o vento frio da noite soprava pela paragem vazia. Ana puxou o casaco para mais junto ao corpo e olhou ao redor. Aquele era o tipo de lugar que o tempo parecia ter abandonado.

Os bancos de madeira estavam gastos, com tinta a descascar, e as paredes amareladas carregavam marcas de umidade e graffitis desbotados. O letreiro anunciava os horários dos comboios, mas apenas duas linhas ainda funcionavam. Tudo era silêncio, exceto pelo som ocasional do vento ou do ranger de uma porta velha ao longe.

Ana não planeava estar ali. Ia para uma aldeia vizinha à cidade grande, onde iria visitar os pais, que já velhinhos, não tinham tanta facilidade em ir visitá-la. Um atraso no autocarro fizera-a perder o comboio direto para casa dos pais. A solução era apanhar o próximo, que partiria daquela estação esquecida no meio do nada.

Sentou-se num dos bancos e observou os poucos rostos que dividiam o espaço com ela. Um homem de meia-idade lia um jornal, enquanto uma mulher de vestido florido falava ao telemóvel em voz baixa. Mais ao fundo, um jovem de capuz estava com os olhos fixos no telemóvel. Pareciam tão deslocados quanto Ana.

Minutos passaram-se, e uma voz metálica anunciou a chegada do próximo comboio. Ana sentiu um leve alívio. Já estava a imaginar a viagem de volta, os olhos fechados enquanto o balanço das carruagens a embalava.

Foi então que algo chamou-lhe a atenção. Um velho, de rosto marcado pelo tempo e barba longa e branca, surgiu na paragem. Caminhava com dificuldade, apoiando-se numa bengala. Carregava uma mala pequena, desgastada, e olhava ao redor como se procurasse alguém.

"Boa noite" disse ele, a voz rouca, dirigindo-se a Ana.

Ela respondeu com um sorriso educado.

"Está à espera do comboio para a aldeia?" perguntou ele.

Ana assentiu.

"O senhor também?"

Ele hesitou, com os olhos perdidos por um instante, antes de responder:

"Na verdade, estou a tentar voltar para casa. Faz tanto tempo que saí de lá... Mas não tenho a certeza de que vou encontrar o que procuro."

Ana franziu a testa. Havia algo de melancólico no seu discurso.

"Por que não?"

O velho encolheu os ombros, o olhar distante.

"Às vezes, a vida muda tanto que o lugar que chamávamos de casa já não nos reconhece."

O comboio chegou, interrompendo a conversa. As portas abriram-se com um chiado, e os poucos passageiros entraram. Ana escolheu um lugar perto da janela. Observou enquanto o velho se sentava no banco oposto, com a mala nos joelhos e o olhar perdido na noite.

Durante a viagem, Ana pensou no que ele tinha dito. O que seria essa sensação de voltar a um lugar que já não era o mesmo? Ela mesma tinha evitado regressar à sua aldeia natal por anos, temendo encarar as memórias que lá ficaram.

Quando chegaram à estação final, Ana desceu e olhou ao redor. O velho também desceu, mas, ao invés de se dirigir à saída, sentou-se em um banco, como se esperasse algo ou alguém que nunca chegaria.

Ana hesitou. Queria perguntar mais, entender aquela tristeza que parecia familiar, mas, em vez disso, seguiu em frente. Às vezes, é mais fácil continuar andando do que confrontar os fantasmas que carregamos.

E, enquanto se afastava, uma ideia cruzou sua mente: talvez ela mesma estivesse a voltar para uma casa que já não a reconheceria. E, no fundo, sabia que o velho estava certo.

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