No coração da cidade, escondida numa ruela estreita que poucos notavam, havia uma pequena loja sem nome. A sua fachada era simples, com uma vitrine empoeirada e uma placa de madeira que balançava ao vento. Ninguém sabia ao certo quem era o dono, mas, para aqueles que a encontravam, dizia-se que o destino os havia levado até lá.
Certa noite, Maria, uma jovem de vinte e poucos anos, tropeçou na loja ao voltar do trabalho. Estava exausta, carregando o peso de uma semana cheia de prazos e decisões complicadas. Algo naquela porta aberta, ligeiramente iluminada por uma luz quente e amarela, chamou-lhe a atenção. Sem pensar muito, entrou.
O som de um sino ecoou quando a porta se fechou atrás dela. O interior era ainda mais curioso. Estantes cheias de objetos antigos, cada um mais peculiar que o outro: caixinhas de música, relógios de bolso, cadernos com páginas amareladas e brinquedos antigos. O ar cheirava a madeira envelhecida e poeira.
"Em que posso ajudar?" A voz veio de trás do balcão. Era um homem idoso, de olhos gentis e um sorriso enigmático. Tinha o cabelo grisalho e uma postura que transmitia uma calma antiga, como se o tempo ali dentro corresse de forma diferente.
Maria aproximou-se, hesitante. "O que vende aqui?"
Ele sorriu, um brilho nos olhos. "Memórias."
"Memórias?" Ela franziu a testa. "Como assim?"
O homem fez sinal para uma prateleira cheia de frascos de vidro, cada um com um pequeno brilho no seu interior. "Algumas pessoas perdem coisas ao longo da vida. Momentos, lembranças, pedaços delas mesmas que são esquecidos com o tempo. Aqui, recuperamos o que foi perdido."
Maria olhou incrédula para os frascos. "Isto é uma brincadeira?"
"Não, minha querida. As memórias perdidas não desaparecem de verdade. Elas encontram o caminho até esta loja, onde ficam à espera de serem reivindicadas."
Curiosa, Maria começou a caminhar pelas prateleiras, observando os frascos. Cada um parecia conter uma luz suave, pulsante, como uma chama a brilhar em câmara lenta. Alguns tinham rótulos com nomes, datas, ou breves descrições como "O último verão de infância" ou "O som do riso dela".
Num canto mais afastado, Maria viu um frasco com o seu nome. Aproximou-se com o coração acelerado. O rótulo dizia simplesmente: "O dia do baloiço."
De repente, a memória voltou-lhe como um relâmpago. Tinha uns seis anos, estava num parque, no topo de um baloiço, o vento no rosto e o som da sua mãe Elisa a rir ao fundo. Era um dia cheio de felicidade, um daqueles momentos simples que se perdem entre tantos outros. Maria nunca se lembrara desse dia, até agora.
"Eu... Posso levar isto?" perguntou ao homem, segurando o frasco nas mãos.
"Não precisas de levar," respondeu ele. "A memória já é tua. Só estava à espera de ser redescoberta."
Quando Maria saiu da loja, o coração dela estava mais leve, e o cansaço da semana parecia distante. Sentia-se diferente, mais completa. E, ao olhar para trás, a loja parecia desaparecer na bruma da noite.
Nos dias que se seguiram, Maria falou sobre a loja com amigos, mas ninguém a conhecia. Alguns até disseram que aquela rua nem existia no mapa. Contudo, ela sabia que o momento vivido ali era real, tão real quanto a memória que agora carregava.
E sempre que passava por uma esquina desconhecida ou uma rua menos frequentada, espreitava com atenção, à procura daquela pequena loja, talvez para encontrar outra memória perdida.
