O Murmurio No Abismo

A Face da Morte

O cheiro de madeira queimada infestava o ar, uma presença quase palpável que envolvia Victor com uma pressão invisível. A sensação era tão intensa que ele podia sentir as chamas infernais devorando sua carne, queimando até os ossos, uma aflição visceral ao imaginar as almas perdidas que haviam sido consumidas pela tragédia que se abateu sobre Darkweaver.

No fundo de sua mente, uma inquietação perversa o atormentava: como uma estrutura tão imponente, feita de madeira e segredos, conseguiu escapar do destino escarlate que a aguardava? As paredes, marcadas por cicatrizes grotescas e resquícios de um fogo que parecia ter vida própria, permaneciam de pé, como se tivessem sido poupadas do holocausto. Era como se o incêndio tivesse se alimentado apenas da carne humana dos envolvidos em um ritual macabro, espalhando-se em busca de novas vítimas e pintando o cenário com uma fuligem nauseante, agora coberta por uma camada de poeira que parecia sussurrar os lamentos dos mortos.

— Como isso é possível? – Victor ponderou, angustiado. — É contra intuitivo; as peças não fazem sentido.

— O que não faz sentido? Não estou duvidando da sua intuição... Nunca faria isso. Você sabe o quanto eu te respeito. – Marta disse, sua voz trêmula como uma folha ao vento. Seus olhos brilhavam com um medo palpável, implorando para que partissem daquele lugar amaldiçoado. — Só precisamos descobrir quem organizou tudo isso... Victor, acredite em mim, temos que prender o responsável pela morte do seu amigo. Mas precisamos ir... Estamos presos em um ciclo interminável.

— Você não o conheceu. É natural duvidar da capacidade dele de se defender. Mas Michael era um mestre em sua arte; rápido como uma sombra e escorregadio como a própria noite. Nunca seriam capazes de capturá-lo; mesmo se o fizessem, ele escaparia em um instante. – O detetive desviou o olhar para as sombras dançantes projetadas pela luz da lua nas paredes manchadas.

— Certo, ele era bom... mas não está mais aqui. Vamos deixar esse caso nas mãos das autoridades. Amanda nem sequer está pagando para investigarmos isso. Precisamos saber quando parar... Estou ficando preocupada com você. – Marta murmurou em tom baixo, mais para si do que para Victor, embora soubesse que ele poderia ouvi-la.

— Marta... Você teme a escuridão? O caminho não é para os covardes; é para aqueles que encaram a morte nos olhos e sabem exatamente o que fazer a seguir. – O homem de meia-idade falou com um tom ríspido e cortante. — A porta sempre estará aberta para aqueles que desejam recuar enquanto ainda há tempo.

Ela engoliu em seco, optando por permanecer em silêncio; não queria ser vista como fraca diante dele. Por dentro, seu mundo estava um caos ‐ uma tempestade de inseguranças e horrores não ditos. Algo naquele lugar parecia devorar sua sanidade; era uma sensação constante de estar sendo observada por olhos invisíveis, acompanhada por um arrepio sinistro na nuca e um zumbido abafado que ecoava em sua mente.

— Certo, vamos voltar a Amanda. – Victor decidiu com firmeza. — Algo me diz que ela está escondendo segredos obscuros de nós. Aquele olhar... Não é o olhar de alguém que soube da morte do marido através de terceiros; é o olhar de quem testemunhou a brutalidade do trauma em primeira mão. – O investigador estava cansado das sutilezas; era hora de confrontar Amanda como a suspeita que sempre foi.

Já passava da meia-noite e as ruas de Darkweaver estavam mergulhadas em uma névoa densa, tão espessa que parecia engolir os últimos vestígios de luz. O ar, gelado como o toque de um cadáver, tornava cada respiração um esforço agonizante. A atmosfera pesada refletia os dias intermináveis de nuvens escuras que se seguiram após o grande pânico que se espalhou como um vírus maligno. Murmúrios de espíritos disformes ecoavam nas mentes dos habitantes, que adornavam suas portas com amuletos e proteções religiosas, na esperança de repelir o mal que parecia se insinuar em cada sombra. Os relatos mais sinistros, aqueles que ecoavam a história de Michael, foram meticulosamente compilados em um documento oculto que agora estava nas mãos de Victor.