Capítulo 1: Fora do Tempo

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Se alguém pudesse me definir, provavelmente usaria a palavra "teimosa". Mas sabe o que eu realmente sou? Uma mulher com ideias além do tempo, vivendo numa casa onde meu pai acredita que "mulheres nasceram para obedecer". Quanta merda.

Eu me chamo Valentina Torres, tenho 27 anos e moro em Buenos Aires. O ano é 1957, mas às vezes parece 1857, especialmente na minha casa. Meus pais são daqueles que acreditam que o destino de uma mulher se resume a casar, ter filhos e rezar para que o marido não seja um canalha. Eu? Quero mais. Quero liberdade, trabalho e, acima de tudo, respeito.

Minha aparência sempre foi algo que chamou atenção. Tenho pele parda, olhos castanhos escuros, e cabelos negros, que caem em ondas até meus ombros. Tenho curvas que parecem gritar por atenção aonde quer que eu vá. É engraçado... as pessoas olham para mim como se eu fosse um prêmio, mas raramente enxergam além disso. Inteligência numa mulher como eu? Um ultraje, claro.

Hoje era meu primeiro dia no novo emprego. Depois de meses lutando para convencer meu pai a me deixar trabalhar, consegui uma vaga como assistente administrativa em uma empresa de exportação. Não era meu sonho, mas era o primeiro passo para sair de casa e ganhar o meu próprio dinheiro. Meu pai resmungou durante semanas: "Vai trabalhar para um bando de homens? Isso não é coisa de moça decente!" Já minha mãe, embora mais silenciosa, parecia desapontada por eu não seguir os passos dela.

Peguei um bonde lotado e cheguei à empresa. O edifício era imponente, com uma fachada de pedras claras e janelas enormes. Meu coração acelerava, mas não era medo — era raiva antecipada. Eu sabia que encontraria obstáculos. Homens sempre têm dificuldade em lidar com mulheres que sabem o que querem.

Ao entrar, recebi os primeiros olhares. Alguns colegas, com ternos amassados e sorrisos pretensiosos, pareciam me medir de cima a baixo. Outros simplesmente ignoraram minha presença, como se eu fosse invisível. Nada fora do esperado.

Logo fui apresentada ao meu chefe, um homem de meia-idade chamado Don Ramiro, que nem se deu ao trabalho de me olhar nos olhos. "Aqui esperamos eficiência e discrição, senhorita Torres. Evite questionar ordens." Ah, mas ele ainda não me conhecia.

Enquanto me acomodava em minha mesa, ouvi uma voz atrás de mim:
— Então, a nova assistente chegou. Fico feliz, já tava na hora de ter alguém interessante por aqui.

Virei-me e dei de cara com Santiago Delgado, um homem alto, cabelos castanhos claros e um sorriso que parecia saber mais do que deveria. Ele vestia um terno bem alinhado, mas a postura descontraída quebrava qualquer formalidade. Não sei o que me irritou mais: o tom de brincadeira ou o fato de eu ter achado o sorriso dele bonito.

— Interessante? — respondi, erguendo uma sobrancelha. — Espero que isso seja sobre o meu trabalho e não outra coisa.

Ele riu, sem a menor vergonha. — Claro, claro. Trabalho, claro. Só quis dizer que é bom ter alguém por aqui que, sabe, tenha um pouco de personalidade.

Revirei os olhos e voltei ao que estava fazendo. Última coisa que eu precisava era de um engraçadinho tentando se aproximar.

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O dia passou rápido, entre pilhas de documentos, olhares desconfiados dos colegas e algumas alfinetadas de Santiago, que parecia sempre encontrar um jeito de se meter onde não era chamado. Quando cheguei em casa, exausta, meu pai já estava na sala, com o semblante sério que conheço tão bem.

— Valentina, eu não gosto dessa sua ideia de trabalhar — ele começou, a voz carregada de reprovação.
— Pai, já falamos sobre isso. Eu vou trabalhar. É o meu direito.
— Direito? Seu direito é respeitar sua família e fazer o que é certo para uma mulher.
— E quem decide o que é certo? O senhor?

A discussão foi longe, como sempre. Mas desta vez, algo em mim estava diferente. Eu sentia que, pela primeira vez, tinha o controle da minha vida, mesmo que fosse só o começo.

Naquela noite, enquanto olhava pela janela do meu quarto, pensei em tudo que estava por vir. Machismo? Eu enfrentaria. Preconceito? Eu quebraria. Santiago? Bem, ele teria que lidar com a minha frieza, porque eu já tinha aprendido que confiar em homens geralmente leva ao mesmo final: decepção.

Mas uma coisa era certa: esse mundo ainda vai ter que me engolir.

Valentina Onde histórias criam vida. Descubra agora