Eu me sentei no ônibus, mais uma vez evitando o contato visual com ela. A Mariana, uma pessoa comum no meu dia a dia, mas alguém que parecia representar muito mais do que apenas uma figura qualquer na minha rotina. Quando o ônibus se encheu, senti a tentação de me aproximar, de sorrir e dizer "bom dia", algo simples. Mas, no momento em que a palavra se formou na minha mente, a ansiedade social me impediu. Eu me retrai, como se um peso invisível me esmagasse. "Talvez na próxima vez", pensei. E me perguntei: "Por que é tão difícil fazer o que parece ser tão simples?"
Mais tarde, na sessão com a psicóloga que me ajudava a entender os recônditos da minha mente, o assunto da intimidade foi abordado. Durante a conversa, percebi algo que nunca havia considerado completamente: o bloqueio não se limitava apenas ao desejo ou à iniciativa de um contato físico ou emocional com minha esposa. A insegurança estava em todos os aspectos das minhas interações, até mesmo nas mais triviais, como cumprimentar uma conhecida no ônibus.
Expliquei à psicóloga, com uma mistura de vergonha e alívio, que o bloqueio parecia se estender a qualquer tipo de interação íntima, não importando se fosse com alguém por quem eu não sentia desejo sexual, como a Mariana, ou com minha própria esposa, com quem compartilho minha vida. A ideia de tomar a iniciativa, de criar um momento de conexão, parecia inacessível, como se estivesse preso em uma rede invisível que me impedia de agir. Mesmo quando o clima parecia favorável e o momento de intimidade se apresentava, o medo de ultrapassar limites, de me tornar uma pessoa indesejada ou inconveniente, me paralisava.
Foi nesse momento que a raiz desse bloqueio emergiu, mais uma vez, das sombras da minha memória: o abuso e as experiências sexuais precoces que vivenciei quando mais jovem. Lembrei do comportamento do meu irmão, que havia transformado o espaço do quarto em um ambiente de objetificação e sexualização, com posters de mulheres nuas espalhados pela parede. Pensei no impacto que isso causou na minha percepção sobre o corpo, o desejo e, principalmente, os limites. Eu me perguntava: "Como posso ter o direito de tocar uma mulher, ou mesmo minha esposa, se essa ideia sempre foi associada à violação ou à distorção do que é saudável?"
A psicóloga me ajudou a entender que o comportamento do meu irmão, e a forma como ele me influenciou, pode ter distorcido minha visão sobre a intimidade, fazendo com que qualquer iniciativa fosse associada à invasão ou ao abuso. Eu não me sentia "autorizado" a agir, a tocar, a iniciar, mesmo quando o momento parecia ser consensual. O medo de ser aquele que ultrapassa os limites, de ser aquele que age de maneira inadequada, me impedia de viver minha intimidade de forma saudável.
Além disso, o abuso sexual sofrido, como uma marca invisível, me fazia acreditar que o direito de me aproximar de alguém, de tomar a iniciativa, estava além do meu alcance. Algo dentro de mim dizia: "Eu não tenho esse direito, porque já vi o que acontece quando a intimidade é tratada de maneira errada." E, por mais que tentasse negar ou racionalizar, esse medo continuava a me dominar. Era mais do que uma questão de desejo. Era uma questão de sentir-me digno, de me achar merecedor de tocar, de ser tocado, de criar uma conexão genuína.
O que eu descobri, naquele dia com a psicóloga, foi que esse bloqueio estava profundamente enraizado em uma confusão entre o poder e a vulnerabilidade. Entre o respeito e a violação. Entre o que significava, para mim, um ato de carinho, e o que meu irmão havia ensinado a mim, sem querer, sobre objetificação. Eu começava a compreender que minha hesitação em tomar a iniciativa, fosse com minha esposa ou com qualquer outra pessoa, estava diretamente relacionada a esse processo interno de autolimitação, causado por traumas passados e crenças distorcidas sobre a intimidade.
Mas o que eu não sabia ainda era que essa descoberta era, na verdade, um primeiro passo. Eu estava começando a entender que o processo de curar esses bloqueios não exigiria perfeição, mas aceitação. Aceitação de que eu, sim, tinha o direito de me aproximar, de tocar e de ser tocado. E, mais importante ainda, eu começava a perceber que poderia escolher respeitar os limites dos outros, ao mesmo tempo que respeitava os meus próprios.
Nas semanas que se seguiram, tentei aplicar essa nova percepção em minha vida. Comecei a dar pequenos passos: um "bom dia" dito com mais confiança para a Mariana, e até mesmo a tentativa de expressar meus desejos de forma mais aberta com minha esposa. Cada avanço foi um desafio, mas também um lembrete de que eu estava me permitindo ser mais humano, mais vulnerável e, finalmente, mais livre.
Esse capítulo da minha vida ainda está em construção, mas eu estou pronto para começar a reescrever a história.
