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Estou em cima do telhado. O ar é frio e calmo, fazendo-me remoer por dentro ao pensar no que se irá suceder após tudo isto. Deixo escapar uma data de fumo que havia inalado anteriormente pelo meu tão bom companheiro – cigarro, assim que me atrevo a pensar naquilo que mais temia. O futuro.

Tinha perdido a minha casa, e tudo o que havia construído nesta. A minha droga, as minhas poupanças, os meus quadros. . . e até as minhas criações mais íntimas. Tudo o que agora me restava era o que trazia vestido comigo.

Uma quantidade de heroína embrulhada em prata estava armazenada no meu bolso, e perguntava-me como poderia eu consumi-la, sem uma seringa. Podia fumá-la, mas nunca me bateria tão forte quanto injetá-la; também podia snifá-la, mas continuava preso à situação anterior. Dava voltas à cabeça, tentando arranjar uma solução para este meu problema quando me relembrei de que era domingo, logo as farmácias estavam fechadas.

Terei de riscar essa opção das minhas hipóteses.

Algo faz luz na minha mente. Qual seria uma melhor fonte de rendimento de seringas do que um hospital? Nem que tenha de dar a volta à cidade para o fazer acontecer.

Saltei daquele agrupamento de tijolos que me suportava, descendo para o último piso daquele edifício em lastimável estado. Quando entrei em contacto com o mundo exterior, dei asas ao meu instinto de orientação, e caminhei por onde achava mais propício direcionar-me a um centro hospitalar.

Avistava placas de rua com indicações direccionais, até dar por mim na via de uma rotunda que se situava em frente, a poucos metros, do hospital público.

Entrei naquele estabelecimento, tal como qualquer outra pessoa entraria, dirigindo-me de imediato até à receção, de maneira a fazer com que todo este esforço valesse a pena. Assim que dei de caras com a rececionista, fui recebido com uma expressão sorridente e uma introdutória questão.

"Em que lhe posso ajudar?" - questionou-me a funcionária enquanto digitava nas teclas daquele computador antigo.

"Será possível indicar-me onde se encontra o bloco de pediatria?" – que desculpa mais inconveniente. Porém adicionaria também convincente, tendo em conta que deu para reparar que o seu cartão de acesso estava pousado na sua secretária. O próximo passo seria arranjar maneira de ficar com ele.

"Segue em frente como se fosse para os cuidados intensivos, e logo vira à sua direita onde encontra o corredor de pediatria, antes do bloco de partos" – informou-me a rececionista, assim que lhe agradeci por escusadas informações.

Virei-me para a direita, quando me apercebi do tamanho da fila que havia para ser atendida na cafetaria. Decidi colocar-me nesta, talvez pudesse arranjar uma forma de chamar à atenção e atrair funcionários, de maneira a obter o que mais queria.

Alguns minutos já haviam passado, e a cadeira de pessoas que se agrupava era cada vez maior, de tal modo que decidiram abrir mais uma caixa. Uma ideia ocorreu na minha mente e quando dei pela minha mão estava posicionada agarrando firmemente o traseiro de uma senhora, na fila ao lado da minha. Assim que se virou para trás na tentativa de perceber de quem se havia atrevido a fazer tal coisa, disfarcei pretendendo falar ao telemóvel, quando a testemunhei a culpar o homem atrás de si. Uma grande confusão foi ali causada, e quando dei conta da gravidade da situação, já havia um conflito entre o marido da senhora e o homem culpado.

As pessoas juntavam-se tentando assistir o mais detalhadamente a tal escândalo, fazendo-me aperceber assim de que o meu objetivo teria sido alcançado. O posto da receção estava vazio, deixando a entrada do hospital deserta.
Avistei posteriormente a recepcionista, que estava agora no meio do acontecimento e assim já tinha a minha chance para a posse do seu cartão de acesso.

Dirigi-me de imediato à passagem anuente  a funcionários, e dei logo de caras com o vestiário que continha o que procurava há bastante - uma farda de enfermagem. Vesti este traje o mais depressa que pude, pois a vontade que tinha de consumir já havia tomado conta do meu desespero funcional, e assim dei início ao meu processo de procura neste hospital. 

Caminhava no meio destes corredores infinitos, repletos de doentes e aroma a desinfetante, investigando por uma sala com aquilo que precisava. Após uns breves minutos de investigação, deparei-me com um quarto a abarrotar de medicamentos e material hospitalar, que me deixou a festejar mentalmente por esta conquista. 

Entrei nesta sala, ainda eufórico, colocando assim o número máximo de seringas descartáveis possível, dentro dos meus bolsos.

"Ei!" – uma voz feminina fez-se soar no outro lado da sala. Virei-me de imediato, assim que dei de caras com uma rapariga diante mim, "O que é que estás a fazer?" – questionou-me.

Por uns breves momentos mantive-me imóvel, mas depois apercebi-me de que ela não trabalhava aqui, portanto não havia razões para me preocupar. A rapariga mirava-me sem expressão, ajeitando os seus cabelos esbranquiçados, de maneira a não taparem a sua cara que agora se fazia ver.

"Eu sou enfermeiro, trabalho aqui" – declarei, tentando soar o mais sério possível – "e agora se não te importas, deixa-me continuar o meu trabalho."

A loira rapariga aproximou-se de mim, fitando-me indecifravelmente. Devido à proximidade que agora nos continha, não pude deixar de reparar na sua exótica cor de olhos dourada. Entreabri os meus lábios mas rapidamente os fechei, por ser interrompido:

"Tu não trabalhas aqui, estás a roubar seringas." – concluiu, – "Estou neste hospital há anos. Conheço todos os funcionários, pacientes e médicos de cor e salteado. Sei de cada movimento, cada respiração e cada mudança que este hospital faz. E tu meu caro, não és nenhum enfermeiro."

Estava prestes a pronunciar-me mas assim a que o ia a fazer, fui suprimido novamente pela rapariga que agora me surpreendia uma vez mais. Desatou aos berros pelo corredor fora, protestando na minha presença.

Em poucos segundos, o espaço em que me encontrava, era agora marcado pela presença de dois seguranças que prezavam o comportamento da rapariga selvagem a meu lado, que agora se demonstrava mais calma. A atenção estava centrada em nós, e o meu desejo pela heroína aumentava cada vez mais.

"O que é que se passa aqui?" – interrogou um dos seguranças. – "Já estás a criar confusões outra vez, Skyler?" – e isto foi o suficiente para desfazer o seu sorriso de contestação perante este acontecimento.

"Não, mas..."

"Peço imensa desculpa, a Skyler exaltou-se e desta vez passou dos eixos. Terei agora de lhe injetar um calmante, para ver se não se torna a repetir. Podem continuar agora com o vosso trabalho, boa noite agentes" – interrompi, soando coerente.

"E quem é o senhor?" – perguntou o outro policial.

"Sou o novo enfermeiro da Skyler, trazido a pedido do bloco psiquiátrico" – mas que raio estou eu para aqui a inventar. Malditas seringas, custaram-me uma reputação.

"Ah, muito bem. Vejo que tem aí um trabalho árduo pela frente. Um resto de uma boa noite" – e com isto, ficamos sozinhos novamente.

"O que é que acabou de acontecer aqui?"

-

bazinga. 

SAPPY // KURT COBAINWhere stories live. Discover now