"Vai ficar tudo bem", disse tio Lewis, a única frase que eu ouvi durante toda minha vida e ainda insisto em afirmar que nunca foi pronunciada com sinceridade; ouvi quando eu e minha mãe fugimos para Verona, ouvi quando ela partiu, ouvi quando fui morar em Leeds com meu tio e estou ouvindo novamente, a caminho de Londres. Não gostaria que ele soubesse que penso assim, se dependesse dele eu não estaria aqui, mas infelizmente é inevitável que ele saiba o que passa por minha mente.
— Sophie, largue isso e converse comigo um pouco — disse ele ignorando meus pensamentos e apontando para o álbum que estava aberto no meu colo.
— Você vem me visitar? — Tentei encontrar alguma sílaba de esperança na minha voz.
— Vou fazer o possível e o impossível para não me afastar muito de você, — ele se aproximou de mim e pegou uma das fotos de minha mãe do álbum — assim como ela. Se ainda estivesse aqui, estaria orgulhosa de saber o tamanho de sua coragem.
— Se ela estivesse aqui, impediria que eu fosse embora! — No mesmo momento, o metrô para bruscamente e vejo minha mãe sentada no banco em frente a mim. Ambas sorrimos para o tio Lewis.
— Parabéns, — disse ele em tom irônico voltado para mim — para as duas — disse mais baixo olhando para minha mãe.
— Senhoras e senhores, tivemos alguns problemas na manutenção e faremos uma parada de meia hora em Luton. Vocês poderão sair, porém deverão voltar dentro desse tempo, qualquer passageiro que se atrasar deverá esperar o próximo metrô ou arranjar outro meio.
Já estamos em Luton, se minha mãe não interrompesse estaríamos em Londres em questão de minutos.
Ainda há como fugir, basta sumir na cidade durante meia hora. Não. Não há como fugir, eles me encontrariam e não mudaria nada, talvez eu ganhasse uma punição no meu primeiro dia.
Fomos para uma lanchonete que não estava muito longe. Como ter fome em uma situação dessas? Se eu comer alguma coisa agora vomitarei ao chegar lá, ficarei pensando nas pessoas, nas mortes, eles levaram meu pai que nem conheci, levaram minha mãe,a única pessoa que importava para mim, e levariam meu tio se ele continuasse me abrigando, aos olhos deles, eu não deveria estar viva, e quem soubesse da minha existência e não a denunciasse, também não deveria viver.
— Pare com isso, Sophie, você precisa comer alguma coisa, e, na minha opinião, vomitar por ter se alimentado é melhor que desmaiar por não ter se alimentado. — Disse meu tio.
— Eu não preciso me alimentar, eu vivo de prana.
— Vive do que? — Perguntou minha mãe confusa.
— Prana. — Respondi — É a força vital do hinduísmo, é possível não se alimentar e viver dela.
— Quando você passar mais de uma hora sem reclamar de fome, podemos dizer que você vive de prana — provocou meu tio.
— Não adianta, nada que vende aqui vai parar no meu estômago.
— Então arruma alguma coisa para levar e comer depois, você mal tomou café.
Ele saiu em direção à banda e eu vaguei os olhos pelo local, procurando alguma coisa que me agradasse, reparei que minha mãe não tinha seguido meu tio.
— Você podia vir me ver mais... — comentei com um tom de decepção.
— Não fale comigo, So, as pessoas vão pensar que você é maluca por falar sozinha.
Ela estava certa, vi duas meninas aparentemente da minha idade me encarando e cochichando, mas naquele momento, eu não ligava.
— Não tem como piorar — no fundo eu sabia que não era verdade, mas por fora parecia fato; estava indo morar no lugar que mais odeio no mundo, não veria meu tio por um bom tempo...
— Hoje é um bom tempo — o fato de minha mãe estar desencarnada não a impedia de ter o tom que ela e meu tio tinham herdado do meu avô: ler mentes. Percebi que quando disse "tempo" ela se referia ao clima, o qual estava nublado.
— O tempo deve estar bom no Brasil, deve estar chegando o verão lá.
— O tempo está lindo hoje, está apenas triste, eu acho — supôs.
Fiquei pensando no que ela disse; ainda que o Sol não estivesse visível, ainda que a lua não aparecesse por causa das nuvens, eles ainda estão lá, assim como minha mãe e meu tio, e eu não poderia deixar que a minha tristeza me impedisse de perceber isso.
Não falei nada até voltarmos para o metrô,mas quando chegamos em Londres meu tio fez o "favor" de quebrar o silêncio:
— Sophie, quando chegarmos no conservatório eu não poderei ficar lá muito tempo com você—todos humanos pensavam que aquele lugar era um conservatório de artes, mas para intercambistas, sempre tinham jovens diferentes de todas idades indo para lá a cada ano, como se fossem "matriculados", mas não sei como não percebem que os "ex-alunos" nunca saem de lá.
— Por quê?
— Não é permitido...
— Então eu nunca mais vou te ver?! — Falei com tom de desespero, quase chorando.
— NÃO!!! É lógico que vamos nos ver, eu virei sempre, quando não me deixarem entrar, eu te ligo e você foge rapidinho pela janela — brincou.
Não consegui sorrir, senti apenas um alívio. E continuamos andando.
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Sophie
Fantasy"Vai ficar tudo bem", disse tio Lewis, a única frase que eu ouvi durante toda minha vida e ainda insisto em afirmar que nunca foi pronunciada com sinceridade. Não gostaria que ele soubesse que penso assim, se dependesse dele eu não estaria aqui, mas...