O ensopado de camelo assaltava todos os sentidos de uma única vez. O cheiro forte vinha da mistura de canela e açafrão, o gosto quase apimentado vinha dos dentes de alho cozidos inteiros, a textura de cada pequeno bloco de carne gordurosa...
Avedis sentiu algo estranho na textura. Não ruim, mas diferente. A carne gordurosa tende a ser mais molhada, a quase desmanchar na boca. Ou ao menos era assim entre os cozinheiros do Kahlar. No deserto de sal o camelo é vida, e comer um era praticamente um ritual por si só.
Ali, naquele palácio estéril, na presença de poucos, cozido por alguém que obviamente jamais o fizera antes, parecia quase sacrilégio.
Do lado oposto da exagerada mesa do banquete para dois Zaim Nabila de Almed parecia esperar um comentário, não como um anfitrião aguarda um elogio, mas como um executor esperando para saber se deve ou não decapitar um criminoso.
- Perfeito, - disse Avedis, sabendo que dizer o oposto seria a morte do pobre cozinheiro de quem jamais vira o rosto. Ela pegou um pedaço da folha de pão e o usou para limpar o molho de abóbora e cebolas do prato, não querendo parecer mal educada. - Mas imagino que você não me chamou aqui apenas para provar sua comida.
O governador e general da província limpou a boca com um lenço bordado em ouro. - Alguém quer me matar, - disse, como quem conta sobre um botão solto em uma roupa velha.
Avedis enfiou o pedaço de pão na boca mais para evitar sorrir do que por vontade de comê-lo. Quem não queria matá-lo? Mastigou-o com calma, medindo suas palavras.
- Eu passei por três mensageiros antes de conseguir marcar este encontro. Fui levada com os olhos vendados e os ouvidos tapados até aqui, seja lá qual dos seus seis palácios é, e ainda assim tive de passar por quatro portões fortemente protegidos, revistado em cada um deles. - Ela pegou o saleiro sobre na mesa, examinando o conteúdo. Os cristais eram grandes, translúcidos, um tom esverdeado.Não era sal de charcos, mas sim o sal puro do Kahlar. Valia uma pequena fortuna. Ela sorriu. - Isso tudo porque eu fui convidada a vir. Não consigo imaginar um assassino chegando até o senhor.
O Zaim fez um sinal para que os servos se retirassem do cômodo. Eram seis para servir esse banquete para apenas dois, além de quatro soldados vestindo couraças de metal e portanto espadas e alabardas de aparência sinistra.
Avedis os acompanhou com os olhos, questionando-se como seria viver com tanto poder, e tanto medo de perdê-lo.
- Você deve compreender que alguém na minha posição precisa ter certos cuidados.
Cuidados como jamais dormir no mesmo palácio duas noites seguidas, jamais falar em público, nem sequer permitir que as próprias esposas o vissem pessoalmente sem serem revistadas. Tudo em troca de governar a mais antiga província do Império de Diamante.
A porta se fechou atrás do Zaim. Ele permaneceu em silêncio, observando a convidada, como se pensando o que deveria revelar. Avedis aguardou, sabendo como lidar com esse tipo de gente.
- Chegou ao meu conhecimento que um assassino está em meu encalço. Matou dois de meus homens mais leais e executou o único sacerdote que permaneceu aqui após o Imperador se recolher na capital.
Ele se levantou da mesa, desviando o olhar para o passado. Manteve as pontas dos dedos de uma mão sobre a mesa por um tempo, como se precisasse dela para suporte.
- O que você sabe sobre os adoradores do Deus da Montanha?
Ela deu de ombros.
- Hereges remanescentes da cultura local pré-Império.
O Zaim sorriu de admiração, então começou a caminhar pela sala que poderia facilmente abrigar toda uma família. Cruzou as mãos nas costas enquanto continuava, pensativo.
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Crônicas do Império de Diamante
Короткий рассказConheça o Império de Diamante: um reino eterno que conquistou e suprimiu várias culturas de Myambe, o continente original da Humanidade. Protegido por um exército com poderes incríveis, o Imperador governa com sabedoria e há quem diga que possa conc...