Antes de chegar lá, eu já vinha pensando no que poderia sentir, mas também não dei muita trela pra isso não, prossegui dirigindo atenta, e sempre observando pelo espelho os movimentos do meu sobrinho sentando em sua cadeirinha no banco de trás, segurando em suas mãos uma toalhinha amarela.
Estacionei o carro, peguei-o em meu colo e nos dirigimos para a entrada da biblioteca municipal, abri a porta e procurei por um recepcionista, ao que imediatamente uma senhora baixinha com ares antipáticos nos recebeu. Apresentei-me a ela e lhe perguntei pela sala das crianças, e se haveriam acervos disponíveis a empréstimo, diante da resposta positiva, ela nos levou a um cubículo, que eu conhecia muito bem, tudo naquele lugar estava exatamente igual, exceto pelo fato de haver bem menos pessoas do que teriam cerca de seis anos antes. Ela foi nos apresentando os livros da sala de crianças, e suas respectivas tarjas coloridas(isso era diferente), coloquei o pequeno no chão e fui lhes mostrando os exemplares dispostos nas prateleiras, ele ficou logo encantado por um de título "Os três porquinhos", a senhora baixinha continuava falando e se desculpava pela desordem da sala, alegando que as crianças sempre a deixavam naquele estado, ela ficou tão encantada com meu sobrinho pelo fato de ser tão novo e estar interessado em livros que toda antipatia de seu rosto se desanuviou. Sentei-o em uma das cadeiras da sala e comecei a ler para ele, adaptando as falas, enquanto a recém-simpática senhora providenciava nossas carteirinhas...
Após escolhermos um exemplar de Anacleto, dirigimo-nos para a sala de literatura, seguidos pela recepcionista que me indicou as tão conhecidas prateleiras, fui tomada de sentimentos, dos quais eu já imaginava que teria, mas para a minha surpresa, parecia que eu havia estado ali ontem, como se os anos não tivessem passado e eu ainda fosse uma estudante sem dinheiro e não uma jovem graduada sem dinheiro. Há alguns anos antes, estava ali uma menina, que visitava aquela biblioteca desde sempre, e que passou sua adolescência sentido o cheiro gostoso dos livros velhos, e que às vezes passava à tarde lá dentro, entre livros e sonhos, imaginando como seria a continuidade de sua vida, seus possíveis namorados, suas possíveis viagens, seus grandes amores, seu futuro cheio de projetos... Como seria dali a dez anos. Bem, dez anos eu não sabia, mas cerca de seis anos sim, e a vida tinha tomado rumos que eu não esperava e que jamais havia planejado.
Eu não imaginei que estaria onde estaria, na mesma cidade, que tinha feito faculdade de um curso que eu odiava, e que estaria longe dos meus amigos e nem mesmo que estaria separada (JÁ), morando sozinha e sendo tia; esta ultima, sendo uma das melhores surpresas da vida, me perguntei se ser mãe seria melhor do que aquilo. Max me puxou pelas mangas me tirando do meu mergulho reflexivo, queria comprar uvas, peguei-o em meu colo, escolhi um livro qualquer e entreguei-os a sua nova amiga e admiradora, Max sabia encantar pessoas. De volta ao carro, lhe coloquei em sua cadeirinha e dirigi ao supermercado mais próximo, acabamos por levar mais coisas do que havia previsto, recomeçou a chover então me apressei a chegar à casa de sua mãe, e no caminho fomos recapitulando as histórias que lemos na sala de crianças, e para a nossa surpresa o céu nos presenteou com um arco íris, tal qual o da história de um dos livros, quando chegamos a sua casa, entreguei-o a minha irmã, junto com uma sacola e um embrulho, lhe recomendando que o lesse junto para ele, ela deu um sorriso e acenou. Liguei o carro e mergulhei novamente em minhas reflexões...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Primeiros Contos
Short StoryHá muito tempo li um livro chamado A bolsa amarela, e tinha uma menina chamada Raquel que dizia que suas vontades engordavam, principalmente a de escrever, logo me identifiquei com ela, porém somente agora resolvi deixar minha vontade de escrever fl...