3: Lá Onde o Busão Não Passa

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Dick Jones: "Eu matei Bob Morton porque ele cometeu um erro. Agora está na hora de apagar esse erro".

RoboCop

- Vamos de novo - falou o delegado Pedreira, a fumaça de seu cigarro formando uma densa névoa na sala de interrogação - Do começo.

O prisioneiro levantou confuso a cabeça e mirou em volta com o único olho não plenamente tomado por hematomas. A cena já tinha se repetido diversas vezes naquela noite. Ele perdia a consciência e quando retornava olhava aos arredores como se tivesse acordado de um pesadelo. E então chorava, percebendo que ainda estava em um.

- Doutor... - repetia - Desculpa doutor...

O delegado só precisou lançar um olhar para o policial ao lado aplicar um duro soco na orelha do interrogado. Pedreira deixou o prisioneiro curtir um pouco a dor, seu grito ecoando pela sala minúscula.

Porque aquela sala claustrofóbica tinha a capacidade de fazer homens feitos chorarem como garotinhos. Ela tinha sido usada para os mais sujos dos serviços desde que a delegacia foi construída na década de 1920. Antes mesmo, quando ainda era o porão de uma chácara, testemunhou sadismo e atrocidades hoje esquecidas. O mofo insalubre foi umedecido por décadas de suor, lágrimas e desespero. As centenas de gritos suplicando clemência como que impregnadas nas paredes. Era um lugar maldito.

- Marcão, nós vamos tentar de novo - Pedreira falava em um tom doce, compadecido, que o tornava ainda mais dolorido aos ouvidos do prisioneiro - Do começo.

- Doutor, a ideia não foi minha. De verdade - Marcão disse com dificuldade pelo lábio inchado - Foi o Jorginho e o...

- Não é disso que eu estou falando, Marcão - explicou Pedreira - Eu não quero saber do roubo. Todo mundo morreu no roubo a não ser você e ninguém levou nada. Ou seja, ninguém vai vir me encher o saco por causa disso. O que eu quero é que você me fale de novo desse... como você o descreveu no seu depoimento mesmo? - Pedreira remexeu os papéis da ficha - Ah, sim, me fale de novo desse "demônio".

Se estendida, a ficha criminal de Marcos Valentim, vulgo Marcão, chegaria a dois metros. Ele era uma espécie de compacto de piores momentos da humanidade. Oito anos acumulados de cadeia por um sortido de crimes como assassinato, formação de quadrilha, tortura, estupro e aliciamento de menores. Foi detido na última vez depois de fazer o "micro-ondas" - espancar, prender dentro de pneus e atear fogo - em um amigo de infância por causa de uma dívida de trinta e cinco reais. E escapou uma semana depois.

E Pedreira percebeu que, ao ouvir falar do tal demônio, Marcão estava com medo.

O delegado fez outro sinal ao policial, que aplicou um novo murro no rosto já estraçalhado do criminoso.

- Deixe eu ajudar a refrescar a sua memória, Marcão - falou Pedreira, lendo o relatório em sua mão - Você e seus amiguinhos alugaram uma casa a cinquenta metros da agência do Banco do Brasil que iam roubar e estavam cavoucando faz algumas semanas. E ontem à noite vocês chegaram lá. Certo até aí?

- Sim, doutor - respondeu Marcão, a lembrança brotando vívida em sua mente.

- E aí tudo estava bem na primeira hora. E vocês começaram a arrombar o cofre. Isso mesmo?

- Sim, doutor.

- E então um de vocês desapareceu.

- Sim, doutor.

- E depois outro.

- S-sim, doutor.

- Porque apareceu um demônio e matou um por um de vocês.

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⏰ Última atualização: Aug 10, 2015 ⏰

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