Droga. Um beco sem saída. Eu imaginava um final mais legal pra mim. Sei lá, talvez sendo abduzida por uma nave espacial, ou talvez sendo devorada por uma baleia, ou perseguida por cães mutantes. Seria uma morte comentada por eras. Mas pelo jeito minha morte vai ser simples e sem graça: morta num beco sem saída por um tiro de revólver dado por um psicopata. Ah é, eu comecei a história do final. Quer saber como eu vim parar nessa? É, acho que dá tempo pra um flashback.
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Acordei de ressaca. Primeiro dia em um trabalho novo, que era uma porcaria, precisava de uma noite agitada antes de entregar minha vida à fadiga e ao fracasso, por isso em pleno domingo fui pra um bar movimentado, com bebidas baratas e gente drogada; pedi tequila pra começar bem. Na terceira dose já estava quase sem consciência do que fazia, não estava acostumada a beber. Lembro das coisas de relance, alguns caras me paquerando, mais ainda os que eu paquerei. Acho que bebi mais alguns drinks e dei PT. Acordei por volta das cinco da madrugada, sentada em uma calçada. Sabe-se lá o que aconteceu comigo e prefiro não saber. Levantei e fui cambaleando pra casa. Já eram 8 horas agora e eu não sabia nem onde estava o chão de tanta tontura e enjoo.
Você deve achar estranho eu ter bebido tanto sendo inexperiente nisso e só porque tinha arranjado um emprego ruim, mas não me julgue, eu estava em uma fase péssima. Eu tinha sido uma garota boa, eu juro, era o orgulho da família: notas altas, medalhas em competições, educada e gentil, prestativa e atenciosa, focada nos estudos e dedicada a família. O que me fez mudar? Bom, digamos que três meses antes eu havia sofrido uma experiência traumática, daquelas que te destroem mesmo. Meu pai traía a minha mãe escondido e minha mãe descobriu, nossa vida virou um caos. Meus pais brigavam todo dia, minha mãe começou a beber e fumar, meu pai mal aparecia em casa, minha irmã mais nova Helen só chorava e fazia birra tentando fazer com que nossos pais lembrassem da nossa existência e meu irmão mais velho Dylan tornou-se ainda mais sombrio e recluso, se trancava no quarto com o som alto e esquecia do mundo. E eu, desolada, magoada e sem chão fui me revoltando com a situação. No começo tentei consertar os erros dos meus pais, mas quando percebi que eles não queriam ser ajudados me indignei e resolvi que não valia a pena tentar e muito menos ser a menina comportada e estudiosa de sempre. Pra quê? Não havia ninguém que ligasse, então eu também não ligaria. Ah! E sabe o resto da família modelo? Tios, avós, primos queridos? Pois é, quando souberam do que tinha acontecido todos se afastaram de nós, não quiseram nem saber como estávamos, afinal, estavámos manchando o "nome da família".
Com meus recentes 18 anos completos, resolvi sair de casa com uma pouca grana que tinha e alguma que roubei dos meus pais, do que não tenho remorso algum, visto que eles roubaram minha vontade de viver. Então aluguei um apê de dois cômodos num bairro malvisto e malcheiroso da cidade, coloquei um colchão e um fogão velhos e usados nele, peguei uma geladeira no lixão e tratei de procurar emprego. E lá estava eu: vestida com um uniforme ridículo vermelho e branco cheio de babados e um chapeuzinho branco estilo marinheiro, prontíssima para o meu novo trabalho: cozinhar em uma lanchonete caindo aos pedaços na região mais perigosa do bairro. Ah, como eu adorava a minha vida.
Meio cambaleando e com os olhos inchados, procurei as chaves da casa, saí e tranquei a porta, o que era uma mera cerimônia, já que a porta precisava só de um chute fraco para desprender dos batentes. A lanchonete ficava há uns sete quarteirões; fui andando devagar, tentando amenizar a náusea e sabendo que chegaria atrasada.
Entrei na Pedaço do Céu (sim, este era o nome da lanchonete, irônico né?) e vi novamente o cenário decadente, dessa vez prestando mais atenção aos detalhes: a cozinha à direita, com o caixa logo à frente, com uma caixa registradora mais velha do que eu e alguns doces que deviam estar lá desde a inauguração da lanchonete. A mulher que ficava no caixa era uma morena de traços fortes e corpo musculoso, aparentava estar na casa dos 40, tinha os cabelos em estilo black power e uma carranca mal-humorada enfeitava seu rosto. Pelo crachá desbotado, vi que seu nome era Donna. No restante do espaço estavam distribuídas várias mesas e cadeiras de ferro, a maioria enferrujada, e um caça-níqueis bem no fundo, a única coisa que parecia funcionar ali. As paredes que um dia foram de um tom pastel agora estavam descascadas e emboloradas e o chão era cinza e rachado em vários locais.
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À Moda da Casa
AdventureLivy é uma jovem que acaba de perder tudo na vida e sai de casa para tentar recomeçar. Arruma um emprego como cozinheira em uma lanchonete caindo aos pedaços e conhece novas pessoas não tão amigáveis e fáceis de lidar como as da sua vida anterior. M...