Capturada

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  - Então você é a nova cozinheira... Lívia!

Encarei o enorme homem de meia idade na minha frente. Aquela careca, fazendo brilhar sua pele cor de café, com os usuais óculos escuros e o sorriso brilhante escancarado. Não havia dúvida de que era ele.

- Tio Tony! – exclamei e me joguei para lhe dar um abraço. – Já faz muito tempo!

- Faz mesmo, menina! Da última vez você era do tamanho de um anão de jardim – ele brincou.

- Exagerado – só então me lembrei do Rick ali parado, com uma cara de atrapalhado. – Henrique, este é Anthony, ele era marido da minha falecida tia.

- Ahn, prazer. – Ele falou estendendo a mão – Vou voltar ao serviço. Qualquer coisa me chame – ele olhou para mim, ainda meio confuso, e saiu da cozinha.

Voltei a fazer as panquecas enquanto conversava com meu tio. Fazia pelo menos uns 4 anos que não o via. Mais especificamente desde a morte da minha tia, a mesma que me ensinou a cozinhar.

- Então, Tony, o que o traz a essa espelunca? E mais importante, como me reconheceu pelo lanche?

- Ah, você me conhece. Odeio lugares cheios de gente e metido a besta. Aqui pode ser uma porcaria, mas não tem frescuras. É só pedir, ser atendido e pronto. Quanto ao lanche, qual é Livy, você usou o molho especial da sua tia Mary. Ninguém sabia fazer como ela, mas você é a única pessoa que chega bem perto – ele falou o nome dela com um tom de tristeza na voz, que logo disfarçou. – Mas quem deveria fazer perguntas aqui sou eu. Por que está trabalhando num lugar como esse?

- Bom, você deve ter ouvido falar da situação lá de casa. Salta uma panqueca! – gritei para Rick. Me apoiei no balcão e encarei Anthony. – As coisas acabaram por ficar insuportáveis. Resolvi recomeçar em algum lugar, e isto foi o que tive condições de encontrar.

- Entendo. Você é uma garota esperta, vai saber dar a volta por cima. Mas sabe Livy, muitas vezes oportunidades aparecem num piscar de olhos – ele tinha um brilho esquisito nos olhos quando disse isso.

- É, talvez – respondi descrente.

- Olhe, querida. Preciso ir. Mas foi muito bom te encontrar. Por favor, me ligue se precisar de qualquer coisa. Sei que quer viver por conta própria, mas uma ajuda de quem te ama é sempre bem-vinda – ele me estendeu um cartão com seu telefone.

- Obrigada tio. Até mais.

  Continuei o dia de trabalho sem maiores infortúnios. Enrolei um pouco nos pedidos, mas os clientes eram poucos e devagar fui pegando o ritmo. Quando o dia que parecia não terminar chegou ao fim, saímos os três funcionários para fechar a lanchonete.

- Muito bem, príncipe encantado, ensine à sua princesa como fechar tudo. Eu já vou indo – disse Donna, e foi embora sem cerimônias.

- Ela é sempre arrogante assim? – perguntei a Rick depois de me certificar que ela estava longe o bastante. Ele sorriu para mim.

- Não a julgue mal, é apenas o jeito dela. Pelo que sei, ela enfrentou quase tudo na vida sozinha, então aprendeu a ficar na defensiva. Mas no fundo, tem um coração bom e está sempre disposta a ajudar.

- É, deve ser bem no fundo mesmo.

Henrique me ensinou quais chaves fechavam quais portas e outras coisinhas necessárias para finalizar o dia. Quando finalmente trancamos tudo, ele perguntou se eu queria companhia até em casa, já que estava anoitecendo. Apesar da minha negativa, descobrimos que nosso caminho seguia pelas mesmas ruas até certo ponto e caminhamos juntos, num silêncio um tanto constrangedor.

- Então, o que uma garota como você faz, morando num bairro como esse e trabalhando na Pedaço do Céu? – perguntou Rick tentando puxar assunto.

- Poderia te perguntar o mesmo, mas como não quero responder, também não vou perguntar – respondi impassível.

- Está certo – me disse com uma sobrancelha erguida. – Me diga então o que achou do seu primeiro dia – tentou outra vez.

- Poderia ser pior.

- Só isso? Você é alguém de poucas palavras – ele sorriu. – Prefere que eu continue te chamando de ruiva ou você vai me dizer seu nome?

- Achei que já soubesse, ouviu quando meu tio me chamou de Lívia.

- Ah, mas aquela não foi uma apresentação adequada. Eu te disse meu nome, meu apelido e dei um sorriso quando te conheci – ele falou com um ar maroto.

- Muito bem então – disse eu parando na esquina que sabia que íamos no separar – Me chamo Lívia, a maioria das pessoas me chamam de Livy, mas ainda não te dei liberdade para isso. Quanto ao sorriso, o máximo que vai conseguir de mim é um "até amanhã" – dizendo isso virei as costas e segui meu caminho, com um sorriso desaforado na cara.

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  Mais tarde naquela noite, deitada no meu colchão, fiquei pensando no meu dia. Será que tinha tomado a decisão certa? Tudo bem que minha casa estava em uma situação horrível, mas pelo menos as coisas materiais não me faltavam. Ao trocar minha vida antiga por essa, abri mão de muita coisa. Da oportunidade de fazer uma faculdade, de ter uma moradia decente, de não ter que trabalhar e da proximidade com meus irmãos. Mas pensando bem, até que o dia não fora tão ruim assim. Meu ambiente de trabalho era uma porcaria, mas não era um trabalho tão difícil. Não tinha amigos, mas o Rick parecia um bom candidato. Minha casa estava aos pedaços, mas depois de alguns meses de salário talvez eu conseguisse melhorá-la, ou pagar por um lugar melhor.

  Enfim, essa era a vida que eu tinha escolhido agora e eu estava disposta a me dedicar a ela. Planejei arrumar melhor a minha casa para não parecer tanto com um lixão, e se arrumasse a cozinha da lanchonete direitinho talvez não fosse tão desagradável. Pensei também em dar uma chance para o Henrique. Eu havia sido meio rude; apesar de não estar preparada para me abrir para ninguém, seria bom ter uma companhia agradável durante o dia. Com essas resoluções, acabei adormecendo.

  No outro dia, acordei com algumas dores no corpo e apenas um pão velho no armário para comer, mas saí de casa decidida a fazer o dia valer a pena. Todavia, quando virei a esquina, alguém veio por trás de mim rapidamente e colocou um plástico preto na minha cabeça, cobrindo minha visão. Comecei a gritar e espernear, mas o agressor era forte e logo me conteve. Senti ser arrastada para dentro de uma van. Eles me colocaram sentada e amarraram minhas mãos. Porém, não deixaram extremamente apertado, e garantiram que eu estivesse respirando direito.

"Ótimo", pensei, "eles me querem viva".

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⏰ Última atualização: Jun 18, 2018 ⏰

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