Capítulo 3 - ALANA

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Era aterrorizante, não podia negar. Por mais que a decisão de me mudar de Pelotas para a capital tenha sido cem por cento pensada, discutida e racionalizada, o frio na espinha me causou arrepios o dia todo enquanto andava pelos corredores longos e gélidos da universidade. Tão opressores. Senti-me diminuta.

Aquele dia havia sido difícil. Estive perdida, literalmente. Não achava a sala de inscrição, a sala de aula, nem a república. Dei voltas ao redor do quarteirão do sobrado feito uma barata tonta por quase meia hora. Que vergonha! Isso porque me acho observadora. Mas era tudo tão novo, tão diferente. E claro, já citei que estava apavorada?

Meus sentidos enlouqueceram, mas precisava me encontrar novamente para me adaptar a nova rotina depressa. Fiquei feliz em escapar de todos os grupinhos de trote. Era fácil passar despercebida quando queria. Mas confesso, chegar à república me deu um tremendo alívio. Aquilo seria o mais próximo que teria para chamar de lar nos próximos meses.

Não obtive paz no sobrado. Dona Constância não parava de falar. E as duas meninas com quem dividiria o quarto – poxa, não guardei o nome delas, mas daria um jeito nisso, talvez uma anotação resolvesse – travaram uma conversa sobre garotos. Não que eu não gostasse, mas se fossem falar apenas sobre isso, preferia ficar sozinha.

E até queria. Dei uma desculpa qualquer e não os acompanhei até a cozinha. Dava para ouvir tudo da sala, mas preferi ficar ali, absorvendo as novidades no meu tempo. Senti o sofá, nada mal, levantei até a janela para vislumbrar a vista e não achei grande coisa. Virei-me para dentro assim que ouvi a porta da frente bater.

Meu coração deu um pulo quando o vi. O rapaz que já estava na república era grande demais, não me atraía, mas aquele garoto que acabava de entrar, se jogando no estofado com familiaridade, fazia muito mais meu tipo. Era alto, magro, definido, mas o que me chamou mais a atenção foi seu queixo quadrado com barba por fazer.

Ele se voltou para mim e o mundo parou de girar. Não ouvi o que disse. Não escutei mais nada enquanto aqueles olhos castanhos, emoldurados por longos e densos cílios, me devoravam. Lindo e safado, tão clichê! O resto se passou em câmera lenta. Irritante até para mim, mas o mundo voltou ao normal quando ele viu a ruivinha.

Foi naquele momento que guardei seu nome. Não precisaria mais de anotação. Ele saltou do sofá em cima dela, chamando-a de uma maneira tão carinhosa que eu devo ter fritado. Meu rosto queimou. Ai,que vergonha! Era só o que me faltava, mais umapaixonite para complicar minha vida.

Sim, meu histórico é triste, mas não vem ao caso. Para minha total alegria, a noite voou. Nem vi as horas passarem enquanto arrumava, em silêncio, minhas coisas. Também não consegui prestar atenção na conversa de Anne com Ligia. Só o suficiente para ouvir os nomes e memorizá-los, mas o de Théo jamais esqueceria.

É verdade que prestei atenção ao relato detalhado de Anne e seu encontro com Theodoro e Renato mais cedo. Achei seu nome tão bonito. Combinava com ele. Tentei afastar o que parecia mesmo sintoma de paixão enquanto mergulhava na minha cama e suspirava ruidosamente. Havia conseguido. Venci o primeiro dia!

Meus pensamentos voaram para Pelotas, para a vidinha sem sal que eu tinha lá. Não pestanejei quando tive a oportunidade de ir para Porto Alegre estudar e cuidar da minha vida. Já estava de saco cheio do ciúme doentio do meu pai conosco. Apesar de que minha irmã caçula sempre fez o que quis. Ninguém segura aquela garota, nem o general, como apelidei papai.

Aline – é, meus pais não tem criatividade para nomes – trabalhava em uma boa firma em nossa cidade natal. Ela apoiou de cara minha decisão. Até meus namoros, fracassados, haviam sido escolhidos por meus pais. Ainda que eu não soubesse bem o que faria da porcaria da minha vida, estava ali porque queria e tinha vencido aquela batalha sozinha.

Escolhas, de Gisele Galindo, Ludmila Portella e Priscila Farias. DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora