Capítulo 2 - ANNE

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Ainda estava fervendo de raiva daquele abestado que ousou me chamar de “gorduchinha”. Era só o que me faltava, depois de horas em um voo chato, a realidade das mudanças climáticas, ou seja, a diferença entre a saída das portas do inferno que era a minha cidade natal de tão calorenta, para o frio de lascar os ossos de Porto Alegre. Pelo menos no meu caso que não tenho costume de passar tanto tempo exposta à temperatura baixa, pensei.

Nem mesmo o frio aplacava minha raiva daquele garoto. Se nos encontrarmos novamente, juro que a ofensa terá troco. Refleti ainda enfurecida.

A realidade dura era que eu estava mais perdida que cego em tiroteio nos corredores da universidade. Ficara tão encantada com o município, apesar da privação do calor, e ainda tentando acreditar que meus pais haviam permitido que estudasse fora, longe deles. Não foi difícil convencê-los, o piormesmo foi manter a promessa de me deixarem cursar em uma faculdade em outro estado, e sozinha.

Alguém me belisca, estou em um sonho!, pensei sonhadora. Sem esquecer o boy magia que esbarrou em mim. O carinha era muito lindo e com cara de safado. Se não fosse aquele idiota e as pessoas que o estavam perseguindo, teríamos conversado mais. Infelizmente, seria somente o que conseguiria dele.

Ainda suspirando por tudo, ao virar um corredor, me deparei com o idiota no maior xaveco com uma menina magrela, alta, e loira aguada, tenho que concorda por incrível que pareça, ela estava caindo na cantada dele.

Ai, meu Deus, tenho que salvar a pobrezinha desse ser. O plano se formou em instantes na minha cabeça. Quem disse que ter uma mente malévola de vez quando é ruim?

– Amorzããaaaaaaaaaao! – gritei a plenos pulmões, assustando-os.

Mamãe sempre disse que eu era uma boca frouxa e muito escandalosa. Acho que essas qualidades servem para alguma coisa afinal. Minha diva interior estava acordando com o seu lado perverso a toda.

– Estou procurando você há horas – falei ao me aproximar do casal, deixando a garota confusa e o tapado amarelo, quase translúcido de susto e sem entender nada. – Como assim,você me deixa sozinha, no meu estado? – Minha mão caiu sobre minha barriga, aproveitando a leve saliência para confirma as suspeitas da garota sobre o que eu estava querendo dizer, ou melhor, dando a entender. O abestado ficou mais branco que papel. De perto dava até para ver as veias azuis do rosto dele. A garota arregalou os olhos ao ver meu movimentode círculos preguiçosos sobre a barriga. Ri mentalmente das caras deles.

– Do que você está falando, sua louca? – esbravejou quando se recuperou do susto.

– Amor, não se faz de doido, tá?! – disse falsamente, fingido não perceber que estava xavecando a menina na cara dura. – Você não vai apresentar a sua “amiguinha”? – Aparentei ciúme dele.

– Você tem namorada e ainda por cima ela está grávida? – perguntou totalmente desaforada para o tapado. Sem deixar que ele se explicasse, saiu igual ao furacão Catrina, levantando poeira. O idiota estava mais confuso que boi de olhos vendados.

Antes que ele se recuperasse do choque. Minha mão voou com os dedos abertos em sua bochecha esquerda, produzindo um som seco. Tem que ser com os dedos bem abertos, assim como meus irmãos mais velhos me ensinaram que doeria mais. Minha mão com certeza ficaria dolorida, mas o rosto dele sofreria mais ainda. A vontade mesmo era de dar o velho e doloroso cocorote.

– Isso foi por ter me chamado de “gorduchinha” – frisei para o inútil ainda mortificado pelo tapa. E para fechar com chave de ouro, dei um berro daqueles para chamar a atenção de alguns universitários que passavam no corredor paralelo ao que estávamos, deixando-o à mercê daquele grupinho, ainda com a mão na face, que começara a ficar avermelhada.

Escolhas, de Gisele Galindo, Ludmila Portella e Priscila Farias. DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora