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Hoje completa um ano e meio desde a morte dos meus pais, um ano e meio é muita coisa, mas para mim não foi o suficiente. A dor é como uma ferida infeccionada, ela cicatriza por fora, mas por dentro ainda está podre, precisa ser arrancada, mas eu sinceramente estou esgotada, todas as minhas forças se esvaíram. Os 6 primeiros meses seguiam como um dia de chuva cinzento, meus dias eram feitos de "eu não conseguia", porque eu simplesmente não conseguia fazer nada, a não ser ficar sentada na janela com um porta-retratos empoeirado na mão. Tia Helena tentava de tudo, mas foi em vão, ela é uma boa mulher, que se preocupa, mas eu não queria me preocupar, tudo que me importava tinha ficado naquela estrada, tinha morrido naquela estrada.

Eu perdi meu último ano da escola devido aos fatos ocorridos comigo e minha família. Sendo assim, lá estava eu, Bárbara , com meus 18 anos no 3º ano do Ensino Médio, sem amigos, pois a maioria estava na faculdade já que haviam se formado, e o grande trunfo, obviamente, foi minha mudança para a nova cidade já que quando tudo aconteceu eu ainda era menor e não poderia viver em São Paulo sozinha sem estar sob tutela legal de um adulto responsável por mim, então minha única opção era minha tia Helena que sempre ia nos visitar, ou seria um daqueles familiares que só vemos no Natal e só compram pares de meias para nos dar de presente, e eu não queria passar por essa experiência, não por causa das meias, isso não é o problema, o problema é você tentar viver uma vida normal com pessoas que nem sabem a data do seu aniversário logo após o enterro dos seus pais, definitivamente tia Helena era minha melhor opção. Eu estava sem ânimo, sem nada, acho que os meus "não conseguia" da vida estavam voltando, porque eu não conseguia me ver numa sala de aula novamente. Mas pela insistência de tia Helena eu cedi e me preparei para tentar ter uma rotina normal de novo, dizem que quando coisas assim acontecem, precisamos seguir em frente com nossas vidas, eu estava decidida a tentar.

Tia Helena me matriculou no único Colégio da sua cidade, é até engraçado isso, vivo em cidadezinha que só tem um colégio que oferece o Ensino Médio com qualidade, um mercado que parece mais uma loja de conveniência por estar ao lado do único posto de abastecimento, com a minha tia viúva, essa cidade é cheia de singulares no sentido mais pleno da palavra, até parece que minha história saiu de um livro de ficção teen que são uma vergonha para a literatura clássica.

Enfim havia chegado o dia para o primeiro dia de aula, no caso para mim, já que estávamos na metade do semestre, ou seja, eu seria a estranha que não se encaixa, já que todos provavelmente já eram bem engajados, estudando juntos desde os cinco anos, esses caipiras não tinham muita noção de mundo vivendo aqui há tanto tempo, mas pelo o menos suas tragédias eram seus feriados municipais, e possivelmente eles viviam bem com isso.

Lavei meu rosto, olhei bem no espelho e disse para mim em voz alta:

- Supere as expectativas que eles tem sobre você, mesmo que elas sejam baixíssimas. - suspirei continuei  o ritual matinal.

Chegando a cozinha vi tia Helena sentada a mesa lendo a bíblia, desde que me mudei ela fazia isso todos os dias, pelo o menos nos dias que eu tinha coragem de sair do quarto e vir ver ela.

- Bom dia Bárbara, está se sentindo bem meu amor? - disse tia Helena com um tom de preocupação que não saia de sua voz.

- Estou sim, eu conseguia sentir o cheiro do café lá do quarto, vou pegar minhas coisas e já podemos ir. - eu disse pegando uma maçã e um copo térmico com o santo café e rumei para o meu quarto.

Aos poucos eu comecei a chamar aquele cômodo de "quarto" e "meu" numa mesma sentença. Ele e eu criamos um laço, já que por meses a fio passei terríveis noites tendo pesadelos e durante o dia chorando. Peguei minha mochilha joguei nas costas e saí em direção a saída. 

Já dentro do carro coloquei meus fones e selecionei uma playlist qualquer e fui com tia Helena para a minha mais nova ocupação mental, os estudos.

Chegando no colégio fui abrindo a porta do carro quando tia Helena me segura pelo braço e diz com muita suavidade:

- Se cuida me bem, qualquer problema, me ligue, e saiba que esse é um recomeço, não viva o passado e sinta dor junto com ele, o passado fica no passado, na memória, então erga a cabeça e siga em frente.

- A senhora tem toda razão. - comecei a dizer com certo de tom de sarcasmo, mas eu precisava ser sincera com alguém e ela era a pessoa mais indicada para que eu me abrisse, então eu continuei: - Tia não estou nem um pouco empolgada com tudo isso, mas vou me esforçar, mas saiba que estou fazendo isso mais por você do que por mim. - finalizei abrindo a porta e saindo, mas ainda pude a voz de tia Helena:

- Tente fazer amigos!

Como se fosse fácil e se eu ao menos quisesse isso, mas tudo bem eu a compreendia, e eu não posso negar que ela tem razão, mas não me importo em estar rodeada ou não de amigos, deixe isso na memória assim como ela mesmo disse, o passado fica no passado assim como minhas amizades.

Continuei meu caminho, segui rumo a secretária onde uma mulher asseada de cabelos negros e longos perfeitamente escorridos num rabo de cavalo me atendeu prontamente:

- Bom dia, Senhorita? - ela questionou.

- Bárbara. Bárbara Alcântara. - retruquei.

- Ah claro, Srta. Alcântara, sou a Clarisse, já a esperávamos, me acompanhe por favor, vou levá-la ao Diretor Fonseca. - a mulher disse se levantando, onde pude ver que usava um conjunto de saia e terno executivo que dava um ar bem sóbrio a ela.

Andamos por alguns metros até chegar a uma porta com os dizeres Diretor Fonseca. Clarisse bateu na porta e um senhor que aparentava uns 40 anos se aproximou de mim e disse:

- Seja bem-vinda ao Colégio Sor Louis Saint-Exupéry.

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