NOVE

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Lilly passa a maior parte daquele dia entocada no apartamento, no andar de cima, se arrastando pelo sala com calça de moletom e o casaco de futebol americano da Georgia Tech, fazendo geral inventário do próprio armazém de armas de fogo e armas em geral. A luz do dia nublado se infiltrarem pelas persianas, fazendo a cabeça de Lilly latejar, mas ela ignora as dores, operando com a carga de puro ódio que percorre o corpo dela feita uma corrente elétrica.
Depois de uma noite em claro e de uma série de conversas tensas com Austin, ela está elétrica, fervilhando de desprezo por aqueles desgraçados que invadiram Woodbury e a fizerem perder o bebê. Depois de quase dois anos vivendo em meio à praga, Lilly desenvolveu uma teoria unificada sobre o comportamento adequado entre os sobreviventes. Ou se ajudam - se possível - ou deixam o outro em paz. Mas aqueles intrusos ultrapassaram todos os modos decentes de interação e estragaram tudo, por isso a revolta queima forte dentro de Lilly. Ainda bem que a sensibilidade no abdômen dela diminuiu um pouco - assim como o choque de ter todos os sonhos destruídos -, o que agora só serve para dar espaço a mais desprezo incandescente por aquelas pessoas, desprezo que se incendeia dentro de seu corpo conforme ela caminha pelo apartamento entulhado.
Todas as caixas de madeira e de papelão e a mobília de segunda mão foram empurradas, empilhadas nas paredes para abrir espaço para o arsenal de pequenas armas, facas e munição sobressalente espalhados no chão. Lilly não tinha reparado em quantas coisas vinha acumulado durante os meses - por paranóia ou talvez por algum tipo de intuição sombria -, mas agora ela vê tudo disposto em fileiras organizadas. As duas pistolas Ruger MK II calibre .22 estão lado a lado no topo da pilha, como o timbre de um brasão. Um par sobressalente de cartuchos de dez balas está alinhado ao lado das pistolas, e um cinto militar está enrolado logo abaixo dos cartuchos. Embaixo disso tudo há ainda uma fileira de caixas cheias de balas calibre .40, um facão, silenciadores diversos, a Glock de Austin e um monte de cartuchos extras, um rifle Remington. 308 MSR de ferrolho manual, três facas de lâmina longa de fios diversos, uma picareta de cabo longo e uma variedade esquisita de coldres, bainhas e cartucheiras alinhadas de forma ordenada.
A voz de Austin ecoa da cozinha ao lado.
- A sopa está pronta! - anuncia ele, com o máximo de vigor e animação que consegue reunir, mas a tristeza é aparente na sua voz, funcionando como um peso constante que o empurra para baixo. - O que acha de comermos juntos no quarto dos fundos?
- Estou sem fome - grita ela de volta.
- Lilly, por favor... não faça isso comigo - pede Austin, entrando na sala enquanto seca as mãos numa toalha. Ele usa uma camiseta do REM surrada, o longos cachos soltos caindo nas costas. Austin para, nervoso. - Você precisa se nutrir.
- Por quê?
- Lilly, por favor.
- Olhe... agradeço o gesto.- Ela sequer olha para o rapaz, apenas continua estudando o arsenal a seus pés. - Pode comer, estou bem.
Austin umedece os lábios, pensando, escolhendo as palavras com cuidado.
- Você sabe que talvez não vejamos essas pessoas nunca mais.
- Ah, vamos, sim... prometo... vamos vê-las de novo.
- O que quer dizer com isso?
Lilly encara as armas.
- Quer dizer que não vamos parar as encontrarmos.
- Por quê? Que bem isso vai fazer?
Ela olha para Austin.
- Será que o QI daqui caiu até a temperatura ambiente?
- Lilly...
- Você não tem prestado atenção em nada do que está acontecendo?
- Esse é o problema! - Austin joga a toalha no chão. - Estive do seu lado em cada momento, tenho prestado muita atenção a tudo, porra. -Ele engole em seco, respira fundo, então tenta se acalmar e mensura as palavras. - Sei que está magoada, Lilly, mas eu também estou.
Lilly volta o rosto para as armas de fogo, então diz, bem baixinho:
- Eu seu disso.
Austin se aproxima e toca o ombro de Lilly.
- Isso é loucura.
Ela não desvia o olhar das armas.
- É o que é.
- E o que seria isso?
Lilly olha para ele.
- É guerra, porra.
- Guerra? Sério? Isso parece mais o Governador falando.
- Somos nós ou eles, Austin.
Ele emite um suspiro exasperado.
- Não estou preocupado com eles, Lilly... estou preocupado com a gente.
Lilly o fulmina com o olhar.
- É melhor você discar essa inocência de lado e começar a se preocupar com eles, ou não haverá um nós... não haverá Woodbury, não haverá nada, porra.
Austin baixa o olhar e não diz nada.
Lilly começa a dizer outras coisas e então se interrompe. Ela vê algo na expressão de Austin mudar, os olhos dele se encherem d'água e uma única lágrima escorrer pelo rosto do rapaz. A lágrima pinga do queijo dele e cai no chão. Lilly perde toda a vontade de lutar e seu estômago se contorce de tristeza. Ela anda até Austin e o abraça. Ele retribuiu o abraço, então Lilly ouve a voz do rapaz ao pé do ouvido, quase um sussurro, embargada pela tristeza.
- Eu me sinto inútil - murmura ele, sem fôlego. - Perder o bebê... e agora... sinto como se estivesse se afastando... e não posso perdê-la... não posso... simplesmente não posso.
Lilly o abraça e acaricia o cabelo comprido dele, então murmura baixinho ao seu ouvido:
- Você não vai me perder. É o meu homem. Entendeu? Somos eu e você... fim da história. Entendeu?
- Sim... - A voz de Austin é quase inaudível. - Entendo... obrigado... obrigado.
Durante um bom tempo, os dois se abraçam à luz pálida daquela sala entulhada, sem dizer nada, apenas se abraçando como se estivessem se preparando. Lilly consegue ouvir a respiração pesada de Augustin, consegue sentir o coração dele batendo no peito.
- Sei como é se sentir inútil - diz ela, por fim, encarando Austin, os restos dos dois quase se tocando, a respiração deles se misturando. - Até pouco tempo, eu era a garota propaganda da inutilidade. Estava arrasada. Mas alguém me ajudou, me deu confiança, me deu confiança, me ensinou a sobreviver.
Austin a segura com mais força, então sussurra:
- Foi isso o que você fez por mim, então sussurra:
- Foi isso o que você fez por mim, Lilly.
Ela dá um beijo suave e carinhoso na testa de Austin e o puxa para um abraço mais apertado. Por Deus, Lilly o ama. Ela lutará por Austin, lutará pelo futuro dos dois, lutará até a morte. Então segura a nuca de Austin, acaricia o cabelo comprido dele, mas, agora, só consegue pensar em entrar naquela merda e exterminar cada um daqueles monstros desgraçados que ainda são uma ameaça.

The walking dead  A queda do governador parte doisOnde histórias criam vida. Descubra agora